Escrito por Luiz Eça
O massacre, pelo exército de Israel, do Freedom 1, que levava suprimentos a Gaza, completou um ano. O mundo ficou horrorizado diante da ação brutal que matou 10 ativistas e feriu centenas. Inquérito do Conselho dos Direitos Humanos da ONU concluiu que o exército de Israel cometera crimes de guerra.
No Conselho de Segurança da ONU, os EUA consideraram que o próprio governo de Tel-aviv teria condições para investigar o incidente. Mas não pegou bem. A ONU optou pela imparcialidade. Nomeou-se uma comissão formada por representantes turcos e israelenses, mais um conceituado jurista neozelandês.
Estranhamente, porém, foi agregado ao grupo nada menos do que Uribe, ex-presidente da Colômbia e fiel aliado do ex-presidente Bush. Lógico, a imparcialidade ficou comprometida. O que a comissão tem feito não é de domínio público. Só se sabe que, até agora, pautou-se pelo mutismo.
Influenciado pelo clamor da opinião pública mundial, o governo israelense anunciou “suavização do bloqueio de Gaza”, com algumas restrições. Continuaram proibidas a entrada de materiais de construção (a não ser quando se tratasse de um projeto da ONU), peças, equipamentos e matérias-primas que pudessem ser usadas na confecção de armas, além do bloqueio à exportação de produtos, entre outros itens.
Seis meses depois os resultados foram escassos, conforme Lady Catherine Ashton, ministra das Relações Exteriores da Comunidade Européia.
Relatório conjunto das ONGs atuantes na região concluiu no mesmo sentido, tendo Jeremy Hobbs, diretor de uma delas, a Oxfam International, declarado que foi atendida “apenas uma fração da ajuda necessária aos civis confinados a Gaza pelo bloqueio. O fracasso de Israel em cumprir seu compromisso e a falta de ação internacional para levantar o bloqueio privam os palestinos do acesso a água limpa, eletricidade, empregos e um futuro pacífico”.
De fato, Israel aprovou apenas 7% dos projetos apresentados pela ONU, que incluíam 100 escolas e centros de saúde, para substituir o que a invasão de Israel destruíra. E desses 7% grande parte dos materiais de construção arrolados foi proibida.
Com isso, a reconstrução de 50 mil moradias, 800 unidades industriais e 200 escolas e centros de saúde reduzidos a escombros pela aviação israelense passa a ser uma miragem.
Sem poder exportar, reconstruir as unidades industriais e importar a maioria dos equipamentos e matérias-primas necessárias, 2/3 das fábricas não puderam voltar a operar.
Como resultado, o desemprego industrial chega, atualmente, a 90% e o total dos desempregados em todos os setores a 40%. Esse quadro dramático se completa com 80% da população vivendo abaixo da linha da pobreza, sendo que metade do 1,5 milhão de habitantes depende das rações da ONU para sobreviver.
Se falharam para minorar os problemas do bloqueio, as “concessões israelenses” funcionaram como anestesia da opinião pública dos outros países. Estadistas como Barack Obama e Tony Blair consideraram que o primeiro passo fora dado para solucionar o problema. A mídia internacional praticamente passou a ignorar Gaza, noticiando apenas esporádicos lançamentos de mísseis de lá para Israel e os conseqüentes bombardeios retaliatórios efetuados pela aviação israelense.
E assim o mundo foi se esquecendo de Gaza. Esqueceu que o bloqueio fora considerado ilegal pela ONU. Deu pouca importância às denúncias de gente como Ilan Pappé, ex-professor de História da Universidade de Haifa: “Israel usa políticas genocidas na Faixa de Gaza”. Deixou passar em branco a falta de ação da ONU, cuja comissão que investiga o massacre do Freedom 1 foi paralisada não se sabe por quê.
É por causa desse esquecimento que o Freedom 2 vai partir. Para lembrar que o drama de Gaza está longe de acabar. Que seu povo continua sofrendo um bloqueio absolutamente ilegal e injusto, que já dura cinco anos. E que a humanidade não pode seguir permitindo que uma cidade seja estrangulada aos poucos.
Alega-se que a recente reabertura da fronteira com o Egito, pelo novo governo, irá solucionar o problema. Mas não é bem assim. Exportar e importar segue sendo praticamente impossível. Por mar, o bloqueio israelense proíbe. Por terra, também não dá, já que a ligação com o Egito é feita através de pontes sem condições de agüentar o peso de caminhões transportando mercadorias.
Sem poder importar materiais necessários às construções e às indústrias, não há como recuperar a economia e, portanto, os empregos e condições de uma vida digna para a população de Gaza.
A flotilha Freedom 2 é formada por 20 barcos, transportando 1.000 pessoas de 20 países diferentes, inclusive ativistas israelenses de direitos humanos. Entre elas, quatro prêmios Nobel da Paz e a escritora americana Alice Walker, que assim justifica sua participação: “...é para pagar um débito com os ativistas de direitos civis judeus, que enfrentaram a morte ao lado dos negros no sul, em nosso momento de necessidade”.
Israel tem feito de tudo para impedir que o Freedom 2 parta. Conseguiu que os governos de muitos países recomendassem a seus cidadãos que não embarcassem nessa jornada. Nenhum falou em ilegalidade, apenas em riscos, tendo em vista o precedente massacre.
De fato, ilegal será Israel repetir a abordagem e aprisionamento dos barcos e seus passageiros, pois só tem jurisdição dentro de 12 milhas náuticas de suas águas territoriais, as quais o barco evitará.
Por sua vez, a viagem do Freedom 2 é plenamente garantida por decisões da ONU que, através da resolução 1860, de janeiro de 2009, dispõe que não se pode impedir “a distribuição por toda Gaza de assistência humanitária, incluindo alimentos, combustível e tratamento médico”.
Prevendo possíveis acusações israelenses (como fizeram no caso do Freedom 1) de que estariam levando armas, os organizadores da viagem do Freedom 2 pediram repetidamente que os países do mar Mediterrâneo e entidades internacionais enviassem observadores para inspecionar os navios, suas cargas e seus passageiros.
Até agora, ninguém atendeu – talvez para não serem obrigados a comprovar que não há nada de perigoso nos barcos. Acredita-se que, desta vez, não haverá mortos e possivelmente nem feridos.
Israel não vai repetir o erro, o massacre que o rebaixou consideravelmente perante a opinião pública mundial. Seus comandos devem ter sido treinados para não usar armas de fogo. De fato, seu exército tem recursos para abordar e tomar os barcos pela força, sem precisar dar tiros.
Mas, nunca se sabe o que pode acontecer. O pessoal do Freedom 2 talvez não se deixe dominar de braços cruzados. E, como se tem visto, os soldados israelenses costumam reagir com a maior violência diante da resistência de elementos hostis.
De qualquer maneira, o recado está sendo dado. Já saem matérias na imprensa de todo o mundo, retratando o estado de coisas em Gaza. Deverão sair ainda mais, depois do inevitável confronto, seja ele pouco ou extremamente violento.
O Freedom 2 parte com destino à consciência da humanidade. Devidamente despertada, ela terá uma chance de fazer algo por Gaza e seu povo.
Luiz Eça é jornalista.
Fonte: Correio da Cidadania
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