foto: Jorge Guimarães
Neste debate sobre o salário mínimo, há questões pouco lembradas que o PSOL tem a obrigação de trazer ao debate:
1) O Artigo 7°, inciso IV da Constituição Federal, afirma que é direito do trabalhador o salário mínimo capaz de atender às suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social. Segundo o DIEESE (Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Sócio-econômicos), o salário mínimo necessário para garantir estes DIREITOS seria de R$ 2.227,53 - em valores de dezembro de 2010. Isso deveria ser meta para quem quer um país menos desigual (como, aliás, o PT, antes de ser governo, sempre defendeu).
Estão equivocados os que afirmam que o salário mínimo atingiu o maior nível dos últimos 40 anos. Ainda segundo o DIEESE, o salário mínimo em 2010 ainda estava inferior ao ano de 1986, por exemplo. Importante relembrar que o presidente Lula havia prometido dobrar o poder de compra do salário mínimo em seu primeiro mandato. Para que esta promessa fosse cumprida, o mínimo deveria estar hoje em R$ 700. Tínhamos a obrigação de debater e viabilizar este valor.
Diz o jornal O Estado de S. Paulo (14/2/2011, Nacional, pág. A7), insuspeito de privilegiar os interesses dos trabalhadores: “Outro dado que reforça o cenário de perda maior do poder de compra pelos mais pobres é o aumento da cesta básica, que na média nacional subiu 15,8% nos 12 meses encerrados em janeiro (segundo dados da página do Banco Central). A reposição apenas pela inflação cheia representa perda real de renda para parte significativa da população.”
2) Para manter mínimo o salário mínimo e limitar os gastos com a Previdência Social, o governo e diversos analistas costumam utilizar o falacioso discurso de “déficit” na Previdência. Ele só existe quando se considera como receitas da Previdência Social, apenas a contribuição previdenciária sobre a folha de salários.
Porém, a Previdência está inserida na Seguridade Social, que também reúne as áreas de saúde e assistência social, e cujas receitas não se limitam à contribuição previdenciária sobre a folha, mas abrangem também contribuições como a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS) e a Contribuição Sobre o Lucro Líquido (CSLL).
Tabela elaborada pela Associação Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil (ANFIP) mostra que a Seguridade Social tem apresentado seguidos superávits, mesmo após a crise global, que reduziu enormemente a arrecadação tributária em 2009: nos anos de 2007, 2008 e 2009 a Seguridade Social apresentou superávits de, respectivamente, R$ 72,8 bilhões, R$ 64,8 bilhões e R$ 32,6 bilhões. Portanto, nestes 3 anos, o superávit da Seguridade Social atingiu, em média, R$ 56,7 bilhões, valor este que poderia garantir um salário mínimo de R$ 738 em 2011.
3) Alega-se também que, caso o salário mínimo fosse aumentado significativamente, haveria uma demissão em massa de trabalhadores no setor privado. Porém, tal medida poderia ser acompanhada pela redução dos tributos incidentes sobre o consumo, e o aumento da tributação sobre o patrimônio e a renda (principalmente dos rentistas), atualmente aliviados pela injusta estrutura tributária brasileira. De fato, o capital teria sua alta remuneração um pouco reduzida, em favor da valorização do fator trabalho. Mas é isso mesmo que defendemos!
4) Outro argumento recorrente para contestar um acréscimo significativo no salário mínimo é o de que este inviabilizaria os orçamentos municipais. Números da Confederação Nacional dos Municípios (CNM) estimam em R$ 38 milhões o impacto nas contas das prefeituras para cada R$ 1,00 de aumento dado ao mínimo. Portanto, se o salário mínimo for para R$ 700,00, aumentará as contas municipais em 5,89 bilhões em relação à proposta do governo. Esse impacto pode ser facilmente revertido com o aumento dos repasses da União, hoje em apenas 9,2%, a partir de recursos hoje destinados ao intocável pagamento da dívida (5 vezes maiores do que essas atuais transferências!)
5) O DIEESE atualizou a série histórica do salário mínimo, trazendo seus preços para o mês de junho de 2010. Este importante trabalho é revelador, pois os dados foram deflacionados mês a mês, o que nos permite avaliação minuciosa. O salário mínimo passou a vigorar em julho de 1940, no governo do presidente Getúlio Vargas. Atualizado a preços de 2010, nasceu valendo R$ 1.126,57, isto é, 120% maior do que o salário mínimo de hoje!
Já no governo de Juscelino Kubitschek (1956 – 61) o salário mínimo alcançou o seu maior poder de compra: convertido a preços de 2010 representa R$ 1.623,18 em janeiro de 1959 (218% maior que o praticado no Brasil atualmente). Esta marca foi recorde em sua trajetória.
A história do salário mínimo no Brasil é uma gangorra, com momentos de ascensão do seu poder de compra e períodos de declínio. Chegou ao fundo do poço em abril de 1992, no governo Collor de Mello (1990 – 92), quando valeu, segundo o Dieese R$ 191,18.
Desde sua criação, portanto, o salário mínimo foi maior que o atual na primeira metade da década de 40, nas décadas de 50, 60, 70 e até mesmo em parte da década de 80 – considerada a década perdida.
6) Vale ressaltar a impropriedade do Congresso aprovar a toque de caixa um aumento de 62% para deputados e senadores, com seu efeito cascata, e aumentos ainda maiores para a Presidente da República e ministros, enquanto não permite aumento real para o salário mínimo. Se este recebesse também o índice de reajuste de 62%, chegaria a R$ 826,20.
7) Neste embate, e também em vários outros (tais como os relacionados às verbas da saúde, educação, etc.) poucos apontam a verdadeira razão pela qual os gastos sociais não podem ser aumentados: a destinação da maior parte do Orçamento para o pagamento da dívida pública.
Em 2010, nada menos que 44% do Orçamento (R$ 635 bilhões) foram destinados para o pagamento de juros, amortizações e o chamado “refinanciamento” ou “rolagem” da dívida, ou seja, o pagamento de amortizações por meio da emissão de novos títulos. Por outro lado, gastos sociais fundamentais responderam por parcelas dezenas de vezes menores, tais como a educação (2,89%), saúde (3,91%) e reforma agrária (0,16%).
Dos gastos com a dívida, 58% se deveram ao chamado “refinanciamento”. Muitos analistas alegam que ele não deveria ser considerado, pois representaria somente a troca de títulos antigos por novos, sem haver um dispêndio de recursos. Porém, a “rolagem” obriga o Tesouro a pedir empréstimos de dezenas de bilhões de reais, todo mês, a bancos nacionais, transnacionais e fundos de investimentos, para pagar as dívidas que estão vencendo. Os grandes rentistas se aproveitam disso para promover uma chantagem diária contra o governo: a qualquer rumor de alteração na política econômica (por exemplo, redução do superávit primário, controle sobre o fluxo de capitais financeiros, redução nas taxas de juros, etc), imediatamente o “mercado” exige taxas de juros mais altas para rolar a dívida. Investigações da CPI da Dívida recentemente concluída na Câmara dos Deputados constataram que parte dos juros são contabilizados dentro do “refinanciamento”. Requerimento de Informações do Dep. Ivan Valente (PSOL/SP), proponente da CPI, solicitando ao governo os montantes efetivamente gastos com juros, não foram respondidos pelo Ministério da Fazenda nem pelo Banco Central.
8) O primeiro passo para o enfrentamento do problema da dívida pública – que impede o atendimento das urgentes necessidades sociais no país - é uma ampla e profunda auditoria, prevista no Art. 26 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias de 1988 e jamais realizada. A CPI constatou diversos e graves indícios de ilegalidades do endividamento. Alguns destes indícios são a aplicação de juros sobre juros (já julgada ilegal pelo STF) e a realização de reuniões entre o Banco Central e representantes dos rentistas da dívida pública para estimar variáveis como inflação, crescimento e juros. Posteriormente estas “análises” são utilizadas pelo próprio COPOM (Comitê de Política Monetária do Banco Central) na definição das taxas de juros, beneficiando esses “consultores” do capital financeiro.
Recentemente, o Equador mostrou a viabilidade de se auditar a dívida pública, enfrentando o “todo-poderoso mercado”: seu governo instituiu, em 2007, a Comisión para la Auditoría Integral del Credito Publico (CAIC), que contou com a participação de entidades da sociedade civil nacional e internacional. Diversas ilegalidades do endividamento foram documentadas, o que embasou a decisão soberana do governo equatoriano, em 2009, de anular 70% da dívida externa com os bancos privados internacionais.
Ficou assim demonstrada a viabilidade de se anular grande parte da dívida com base em uma auditoria, sem que tenha havido qualquer crise, contrariando os argumentos neoliberais.
9) Com a palavra, por fim, o economista Afrânio Boppré, dirigente nacional do PSOL:
“Salário nunca foi uma definição técnica e sim resultado da correlação de forças entre capital e trabalho. Portanto, salário tem na política sua definição. Um entrave técnico-político para aumentar o salário mínimo está no fato de haver uma vinculação entre salário de mercado de trabalho e piso da seguridade/assistência social. Argumenta-se que aumentando o salário mínimo para o piso da seguridade/assistência estouraria o equilíbrio de suas contas. No entanto, com vontade política pode-se desvincular parcialmente esta trava, mudando a política econômica: que os vultosos recursos para o pagamento da dívida pública sejam drenados para ajustar posições de desequilíbrio em suas contas. Pagar a dívida pública gerando dívida social é uma opção meramente política, como alertou até o moderadíssimo Tancredo Neves.
Uma política substantiva para o salário mínimo deveria levar em consideração as seguintes iniciativas, para conferir-lhe função de mudança social real: a) salário mínimo voltado ao mercado de trabalho; b) reajuste semestral para preservar o seu poder de compra contra a inflação; c) aumento anual de acordo com a evolução do PIB (variação da riqueza nacional); d) aceleração da recuperação das perdas históricas com aumentos periódicos em torno de 5% a 10% ao ano; e) criação de uma política de transição para piso da seguridade/assistência.”
10) A economia brasileira ampliou a sua capacidade de produzir riqueza. Não só o Brasil está muito mais urbanizado e industrial em relação aos anos 50 como a forma de produzir a riqueza também mudou significativamente. Novos aportes tecnológicos chegaram na indústria, nos serviços e na área rural. Mas não houve distribuição e avanços correspondentes nos ganhos do salário do trabalhador. Nosso pressuposto é que nossa economia comporta folgadamente uma melhor remuneração de seus assalariados. Sindicatos fortes e independentes, sociedade disposta a lutar pela igualdade social e estrutura jurídica menos submetida aos interesses do capital são a base para a reversão da situação. Se quisermos justiça social, precisamos de coragem política e ousadia para enfrentar a ditadura do capital financeiro e dos lucros extraordinários.
Fonte: http://lc4.in/Fpcz
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