No final de maio a Câmara dos deputados votou e aprovou o novo Código Florestal brasileiro, matéria polêmica que dá licença ao desmatamento e que contou com forte lobby do agronegócio em seu desfecho. Para uma parcela significativa da população de São Paulo, que escolheu votar no palhaço Tiririca, fica a lição que eleição é coisa séria e que as coisas podem piorar, sim
Ricardo Alvarez
Há tempos que o estado de São Paulo vem elegendo deputados bem votados, mas descartáveis. A salada político-partidária inclui neofascistas, pouco éticos, descompromissados e exóticos e, nesta mesma ordem, Enéas, Maluf, Clodovil e Tiririca surgem como exemplos. O que há em comum entre eles? A montanha de votos conseguida caracterizada por uma forma de protesto difusa contra a política eleitoral partidária.
É verdade que candidatos deste naipe existem e são eleitos também em outros estados, mas São Paulo chama mais a atenção pelo peso político e populacional. A capital possui mais de 11,2 milhões de habitantes, quase o dobro da segunda colocada, o Rio de Janeiro, com cerca de 6,3 milhões de habitantes. O estado de São Paulo ultrapassou os 41 milhões de habitantes, mais que o dobro do segundo colocado, Minas Gerais, com 19,5 milhões. Somos 21,6% da população total do país, mas apesar da importância, temos nos notabilizado pelos exemplos negativos nas eleições.
Enéas queria a construção de uma bomba atômica e defendia a aplicação de costumes militares para a sociedade civil. Maluf tem longa história de péssimos serviços prestados á democracia, passando pela participação em governos militares e por sua fama de distância consentida da ética na política. Clodovil chamou a atenção pela decoração de seu gabinete na Câmara e pelo desmatamento em suas terras no litoral paulista, derrubando mata nativa e ganhando multa. Sequer defendia a causa homossexual.
Os três, muito diferentes em suas origens e histórias de vida, ganharam mandatos canalizando o voto do eleitor insatisfeito com o atual estado de coisas. O repúdio chega a ser compreensível: escândalos de corrupção, malversação de verbas públicas e tráfico de influência pipocam continuamente e não são acompanhados da devida punição apesar das provas, que incluem até filmagens.
Recentemente o ministro Antônio Palocci, chefe da Casa Civil, caiu por conta do enriquecimento acelerado de seu patrimônio sem as devidas explicações. Apesar da perda do posto, é pouco provável que se efetive uma investigação séria sobre o caso e alguma medida seja tomada em favor da transparência e da ética pública. O procurador-geral da República já lhe passou atestado de boa conduta, restaria uma CPI. Porém, neste caso, é preciso entender que muito dos acusadores, que dispararam suas flechadas inquisitórias, estão mais preocupados com o desgaste político do governo federal do que efetivamente discordar das perniciosas relações entre a gestão pública e os interesses privados, em especial os partidos mais conservadores e de direita, como o PSDB, DEM e seu entorno.
No mesmo momento o vereador Netinho (PCdoB) em São Paulo é acusado pela Corregedoria da Câmara Municipal de falsificar documentos (notas frias) na comprovação de gastos do seu gabinete. Para o órgão as provas são incontestáveis, mas apesar delas, o vereador é absolvido em sessão plenária, mesmo com os 18 votos favoráveis à investigação, quando eram necessários 28.
Não bastam filmes gravados e provas materiais concretas para romper o corporativismo reinante no miolo do poder público, uma vez que o raciocínio predominante é o da septicemia generalizada, cujas investigações podem alcançar membros apodrecidos em suas funções públicas, mas profundamente vivos e atuantes na fisiologia política. É a velha máxima de que “sabe-se como começa uma investigação, mas não como termina”. A que se fazer justiça aos parlamentares que se posicionam pela ética na política independentemente do governo de ocasião, mas estes são avis rara.
A reação imediata da população, em especial a dos eleitores, é o completo alheamento com as eleições e a política em geral. A eleição do palhaço Tiririca com seus 1,3 milhões de votos, ou 6,35% do eleitorado do estado de São Paulo, é muito significativa neste sentido. O tamanho do repúdio assusta pela dimensão de sua votação, mas na prática pouco representa no interior do parlamento. Quais deputados federais ou partidos políticos olham para o palhaço e enxergam nele a síntese do descontentamento popular? Esta relação não existe e nem mesmo tem sentido, uma vez que enxurrada de votos não foi o resultado de uma ação coordenada de um movimento ou posição política, foi apenas um deboche institucional canalizado na pessoa errada. Pronto, morreu ai. O caudal de votos deveria dotar o seu protagonista de imensa força política dentro do parlamento, afinal de contas sua representatividade é bastante significativa. Deveria ser assim, mas não é.
Se este voto de protesto não se transforma efetivamente em protesto, pouco se aproveita do muito do que nele foi depositado. Vejamos o caso da votação do Código Florestal brasileiro. Tiririca votou favorável às mudanças, junto a outros 409 deputados. 63 disseram não.
Aprovada a matéria na câmara dos deputados fica a pergunta: será que os 1,3 milhões de paulistas que decidiram protestar votando no palhaço defendem as mudanças no Código? Parece-nos que não. Recente pesquisa do Datafolha mostra que 95% das pessoas entrevistadas repudiam a ocupação de áreas de preservação ambiental pela agricultura e pecuária. Quantos destes seriam eleitores de Tirirca? Provavelmente parcela muito significativa.
Como fica o protesto quando o candidato vota contrário ao que defende seu eleitor?
A bancada do agronegócio no parlamento nacional conta com cerca de 200 deputados e 18 senadores, segundo levantamento do MST. Os latifundiários que desejam desmatar, ficar livre de multas, contratar trabalho escravo, expulsar o pequeno produtor de suas terras, grilar novos lotes, dentre outras ações predatórias, prestam muita atenção em quem votam, quais serão os candidatos que receberão apoio financeiro e estrutura para sua campanha. As entidades ruralistas escolhem minuciosamente dentre seus pares, quem os representará no parlamento. O discurso de que ninguém presta e todo mundo é igual, portanto vote em qualquer tranqueira, lá não cola.
Isto não acontece apenas entre ruralistas. Outros setores organizados da sociedade também elegem seus fiéis representantes, como os banqueiros e financistas, industriais, comerciantes, entre outros, formando bancadas de interesses, como a bancada evangélica, bancada da bala, etc.
Este é um dos motivos das dificuldades em se avançar politicamente na solução de vários problemas no Brasil. A maior bancada no parlamento brasileiro deveria ser a dos pobres e miseráveis, mas estes estão pouco organizados para a tarefa de defesa de seus interesses nesta esfera da política nacional, apesar de seu peso e força no conjunto da população.
Fica a lição de que o parlamento não é a panaceia dos males que nos afligem, mas votar em qualquer um em nada ajuda. Recordar é viver. Lembremo-nos do bordão central da campanha de Tiririca em 2010: “Vote por Tiririca. Pior que tá não fica”. Fica sim. Os biomas e a sociedade como um todo vão pagar por esta fatura ambiental de longo prazo, sejam eles eleitores conscientes do voto que deram, sejam eles àqueles que escolheram a patética figura de um palhaço que, dentro do parlamento, vota sem nenhuma graça.
Ricardo Alvarez
Geógrafo, professor e liderança do PSOL em Santo André
Geógrafo, professor e liderança do PSOL em Santo André
Artigo originalmente publicado no site do PSOL Santo André
Fonte: PSOL São Paulo
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