Páginas

14 de jul. de 2011

A fábula dos três porquinhos na política nacional

O ritmo e as fases de nossas vidas são muito interessantes! À medida que nossos(as) bebês vão crescendo, a gente vai resgatando as estórias infantis, voltando a um tempo que, poucos anos atrás, no auge da juventude, achávamos que não retomaríamos.
Hoje meu filho Uirá tem pouco mais de dois anos. Aos poucos lemos algumas histórias, mas ele ainda presta mais atenção no desenho animado. Além dos tradicionais, apresentamos a ele, em desenho animado, a história de Moisés tanto na fuga do Egito, quanto nos desafios enfrentados no deserto. Pena que não existirem também desenhos amimados sobre Che, Marx, Lênin, a Comuna de Paris ou a resistência negra e indígena na América.
Nesta volta à literatura infantil, buscamos comparações com a vida real. E, não é que talvez num lapso de boa sacada, ou numa viajada geral, pude compreender a evolução dos três últimos governos no Brasil com a famosa história dos três porquinhos! Na fábula, o lobo na ânsia de devorar suas vítimas vai cada vez enfrentando uma casa mais difícil. Os porquinhos, contudo, vão se fortalecendo até que conseguem impedir a morte.
Desde o primeiro governo Lula, em 2003, temos ouvido que é um governo de coalizão, mas em disputa. Que a esquerda deveria apoiar a "ala boa" e fazer lutas no sentido de deslocar o governo. Todavia, o que vimos dia a dia era uma base governista no meio popular sempre pronta a abafar a crítica ao governo, aparelhar e burocratizar as lutas, desqualificar a oposição de esquerda e pronta a rebaixar todas as demandas ao "possível e responsável".
Por seu lado, os representantes do capital, do agronegócio, dos bancos e multinacionais, localizados também na direita do Governo e na grande mídia nunca deixaram de fazer sua parte. Pressionando e atacando cada ação, exigindo mais e mais parcela do projeto de país petista para o seu lado. Ao contrário da fábula, a cada porquinho conquistado, o lobo mau aparecia mais forte, mais insaciável!
No primeiro mandato o porquinho detido foi a política econômica. "Temos que vencer a herança maldita!" "Façamos a carta ao povo brasileiro e a seus banqueiros!" "Não vamos romper contratos!" "Não se mexe nas metas de inflação!" "Honrar a dívida financeira é a nossa prioridade!" "Reforma previdenciária para conter os gastos com o povo!" Todas estas frases que se transformaram em ações concretas fizeram com que o Governo Lula, desde o início, entregasse a política econômica, o primeiro dos porquinhos, à lógica da direita. Junto com a política econômica´da direita, O governo Lula também garantiu, desde o início, seu sustentáculo ideológico na mídia. Democratização das comunicações? Só se isto quiser dizer renovar a concessão da Globo e financiar sua reestruturação!
Mas muita coisa boa surgia ali! Criava-se um Ministério para o Desenvolvimento Agrário! Mais um para as Cidades! Outro para a Integração Nacional! Uma secretaria de políticas para mulheres, para negros(as), para juventude! Isto tudo sem falar do Fome Zero, a grande promessa e o grande sonho de todos(as) nós! Eram os 20 anos de desejo por políticas públicas e sociais ativas que pareciam se concretizar.
Porém, porém... esqueceram de avisar o lobo mau! Enquanto este devorara cada gordurinha do porquinho econômico, já pensava na sua próxima vítima! Era ora de acabar com as políticas inclusivas. E aí veio o segundo mandato de Lula. Junto com ele, o PMDB desde o início no Governo. O lobo mau de fato não estava para brincadeiras.
Antes de tudo a ordem maior aumentar o superávit! Vamos acabar com o dinheiro destas áreas. Depois, quem quisesse que se adaptasse... "política pública?! Só se não confrontar a lógica do capital!". E assim, uma a uma foi caindo. Começou entregando toda a pasta de infra-estrutura para os "aliados". Comunicação, Transporte, Cidades, Integração Nacional, Turismo... e até Saúde agora eram de responsabilidade de PMDB, PR, PP.. Aquilo que antes era um projeto de país vira moeda de troca para o apoio no Congresso.
Em seguida, desestrutura-se as políticas instaladas. O Fome Zero se transforma numa mera distribuição de cesta básica. Ainda que importante, gasta-se em ano de Fome Zero o mesmo que se gasta em 15 dias de juros dos banqueiros e perde todo o caráter inclusivo e formativo pensado no início. Seu viés de formação, o Talher, transforma-se na migalha que sobrou para a luta popular. A reforma agrária volta a ser retórica enquanto se aumenta a venda de terras a estrangeiros. A privatização da educação iniciada no falido Paulo Renato consolida-se. "Minha casa minha vida?!.. Só se for em parceria com as construtoras e valorizando o preço de imóvel e alugue." Em vários outros setores, quando existe algum recurso não cortado, políticas que deveriam ser universais transformam-se em questões focadas, em consonância com as diretrizes históricas do Banco Mundial e com a lógica do capital e, obviamente contra os 20 anos de formulação na esquerda e os princípios esquecidos na Constituição de 88.
Pra não dizer que o Governo Lula terminaria com a pecha de liberal, inventaram o tal do PAC. "Agora somos os desenvolvimentistas!!" diziam, na ânsia de se diferenciar. Por trás deste, desenvolvimentismo, os mega projetos, nacionais e latinos: transposição do São Francisco, Santo Antonio e Jirau; Belo Monte, IIRSA e Pré-Sal; UPP, Olimpíadas e Mundial (é rimar para não chorar): as políticas de infra-estrutura jogadas na mão dos aliados, agora se voltam para atender as grandes empreiteiras, os corredores de exportação do agronegócio e a matriz energética de um país que privatiza suas riquezas minerais sem nenhum projeto de soberania. Neste processo sobra, como sempre, para milhões de pessoas despejadas sem direitos, que perdem seus empregos e famílias. E sobra também para a natureza, identificada em muitos casos como a maior inimiga das forças do capital no Governo. Ainda que tardiamente, se forjava o novo, e fatídico, Código Florestal.
E assim o lobo mau levou o segundo porquinho. Este fora fácil. Revertera-se de vez o projeto original da eleição de Lula. Mas o lobo mau não acabara ainda sua missão. Ao longo dos oito anos, um terceiro porquinho incomodou muito e era contra ele que deveria voltar suas garras. Durante toda a gestão de Lula, ainda que sem muita ênfase, a política de Direitos Humanos mostrou-se com uma certa coerência: defesa de Battisti, Comissão da Verdade, PNDH-3, Estatuto do Idoso, da Igualdade Racial, Ressarcimento às vítimas da ditadura, Secretarias especiais, etc. Para comer mais este porquinho, nada melhor que o lobo mau se transfigurar numa mulher, e ex-guerrilheira.
Mas, antes desta transformação, o lobo mau deu as caras ainda na eleição. A mensagem era clara: 8 anos de PT fizeram com que a classe trabalhadora se dispersa-se na construção do projeto político. O povo organizado que lutava por mudança agora deveria defender o status quo. Todo o aparato, inclusive militar se for necessário, estava, e ainda está, posto para minimizar e desqualificar a crítica, a organização, a contestação. O que antes era esperança, em 2010, se abraçou e defendeu a lógica do medo. Muitas vezes o discurso do medo da volta PSDBista ganhava um certo ar revolucionário: "Vamos acabar com o DEM!!", era a palavra de ordem. Ingenuidade?? Não!! Hipocrisia e enganação pura!! Aquilo que um dia fora o DEM consolidara-se na sociedade brasileira e, junto com o lobo mau, pediu a conta e ganhou as eleições de 2010. Cabe agora ao governo da ex-guerrilheira apenas entregar o porquinho dos Direitos Humanos – fatiado, é verdade, pra ir matando aos pouquinhos... como gostam os torturadores.
A bancada da Teologia da Prosperidade é quem mais cresce em 2010. Junto com ela, o discurso moralista, retrógado. Criminalização da homofobia e da luta feminista. Ainda durante a eleição Dilma já volta atrás nos compromissos do PNDH-3 e reforça o conceito de criminalização da luta. E, no primeiro semestre do novo Governo, muita coisa já ocorreu: desestruturação da Secretaria de Direitos Humanos, não abertura do dos arquivos da Ditadura, chamada de "revanchismo", apoio velado a Bolsonaro e Cia, apoio aberto a fascistas como Sarney e Sérgio Cabral, falta de verbas para estruturar o direito da Criança e Adolescente, a Lei Maria da Penha, prisão de militantes durante a visita de Obama, e, talvez, o pior ato de todos, a reversão da política de inclusão e respeito à diversidade sexual nas escolas. Num só ato, não só retirou todo o trabalho como ainda desqualificou a luta pela inclusão e até os princípios de Paulo Freire: "Temas de costumes merecem um debate maior... a escola não é lugar destas coisas". Pasmem, nestes casos o Governo do PT ficou à direita do STF e até de Gilmar Bandido Mendes.
Infelizmente muita coisa ainda está por vir. A violência social aumenta e a resposta oficial é repressão, encarceramento. Se a criminalização da luta ainda vem disfarçada (exceto para quem enfrenta Belo Monte ou a milícia paraense), a da pobreza é aberta e escancarada. Nem casos como o de Realengo são capazes de mudar a concepção. É o terceiro porquinho que agora se vai. Pergunta-se se ainda resta mais algum? Tem gente que fala da política externa. Desmentir esta falácia fica para outro texto. Também pergunta-se, quem é o lobo mau agora? A que custo ou a troco de que devemos defender este governo?
Cada estória infantil tem uma moral. Nós próximos anos, quando for ler a estória dos três porquinhos e do lobo mau para meu filho, creio que vou explicar aquele princípio que a gente nunca devia ter esquecido na Esquerda: a cada vitória, devemos aumentar nossa força e nossas demandas. Não podemos querer esperar de braço cruzado para que façam por nós. Muito menos temos que acreditar quando dizem que nosso sonho só pode ser aquele que parece possível, que seja negociado com o lobo mau, pois ele quer mesmo é devorar a gente.
Dentre várias leituras, um dos motivos que acredito terem sido cruciais para a esquerda perder o rumo a partir da conquista histórica de 2002 é justamente o fato de ter aberto mão de seus princípios. O primeiro de acreditar que dá pra dialogar com a burguesia, e compor com ela. O segundo de substituir a pressão e o fortalecimento popular pela dita governabilidade. O terceiro de descaracterizar e desqualificar a luta popular e a formação política.
Agora estamos no momento de reconstrução de um novo ciclo, de retomada dos processos de trabalho de base, formação, de apoiar cada luta e levante do povo ! De construção de um novo projeto para a esquerda, adaptado aos novos desafios postos, mas fundado nas bases de nossa leitura histórica. Que as lições de algumas estórias infantis sirvam para, pelo menos, não cairmos nos mesmos erros...
Brasília, 05 de julho de 2011
Francisco Carneiro De Filippo (Chico) é economista e militante do PSOL-DF

Nenhum comentário:

Postar um comentário