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30 de set. de 2011

O Pará é pobre porque é grande?

*Por Fernando Carneiro
O estado do Pará vai passar, no dia 11 de dezembro, por uma prova de fogo. Pela primeira vez na história do Brasil será realizado um plebiscito para aferir a opinião da população sobre a proposta de divisão de um estado. O que acontecer aqui vai influir diretamente sobre as outras 10 propostas de criação de novos estados ou territórios que tramitam no Congresso Nacional.
Os separatistas alegam que o estado do Pará é grande, que a população do interior padece de incontáveis problemas sociais em áreas críticas como educação, segurança, saúde, transporte, infraestrutura e outros. E aqui é preciso reconhecer que eles têm razão no diagnóstico. O Pará é de fato grande, são 1,247 mil Km² que conferem a nosso estado a condição de segundo maior estado do Brasil, ficando atrás apenas do vizinho Amazonas. Ademais é forçoso reconhecer que o Pará coleciona indicadores lamentáveis em todas as áreas essenciais e mesmo nas consideradas (equivocadamente) não prioritárias como esporte, cultura, lazer e etc.
Bem, mas então tem razão os separatistas? Vejamos. Eles ressaltam elementos contras os quais não há contestação. O Pará é grande e pobre. A pergunta que devemos nos fazer é se o Pará é pobre por ser grande. Aí a porca começa a torcer o rabo. Não é o tamanho do estado que o faz pobre, mas o modelo de “desenvolvimento” adotado. Na verdade, o que os separatistas e mesmo alguns que são contrários à divisão deixam de dizer, é que a proposta de dividir o estado revela a falência desse modelo.
Mas é preciso fazer uma correção: o Pará não é um estado pobre na acepção da palavra. O mais certo seria afirmar que é um estado rico, mas de povo pobre. A renda per-capita é metade da média nacional. Mais de 1,5 milhão de pessoas sobrevive com menos de 70 reais por mês. O índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de algumas regiões, como o Marajó, está entre os piores do Brasil. Apesar disso o Pará contribui enormemente para o saldo da balança comercial, sendo um dos PIB’s que mais crescem em nível nacional.
O governo federal, com a devida conivência dos governos estaduais do PMDB, do PSDB e do PT, transformou o Pará em um estado-almoxarifado ou estado-celeiro. Os principais “produtos” paraenses são: minério, gado, madeira, energia e grãos. Todos para exportação e todos sem o devido beneficiamento. Em uma palavra: somos um estado a ser dilapidado, aviltado e roubado. Mas as maldades não param por aí. Não bastando isso as elites fizeram aprovar uma Lei que desonera as exportações, a famigerada Lei Kandir (em alusão ao deputado do PSDB, autor da proposta). Primeiro nos transformam em meros exportadores, depois eximem esses produtos do pagamento do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços).
De 1997 a 2010 o Pará perdeu mais de 21,5 bilhões de reais por conta da Lei Kandir. Para se ter uma noção do que isso significa basta comparar com os gastos de infraestrutura viária, transporte e reformas dos estádios de futebol para a copa do mundo e para as olímpiadas. Segundo estimativas oficiais (que nem sempre são definitivas) o orçamento previsto para reforma do sistema viário e de transporte das doze cidades que sediarão a copa do mundo de futebol é de 11,5 bilhões de reais. Para a reforma dos aeroportos mais 6 bilhões, totalizando 17,5 bilhões. Ou seja, só as perdas do Pará com a Lei Kandir dariam pra cobrir a reforma das 12 cidades que sediarão a Copa de 2014 e ainda sobrariam 4 bilhões de reais. Como se isso não bastasse os royalties do minério são 5 vezes menores que os do petróleo, piorando ainda mais a situação.
Estudos indicam que o estado do Carajás, se criado, consumiria 26% de todo o seu PIB só na manutenção da máquina estatal. O Tapajós consumiria absurdos 52%, bem acima da média nacional que é de 12,5%. Estados inviáveis do ponto de vista econômico que nasceriam deficitários em 1,8 bilhão de reais ao ano. Mas para além da discussão econômica há a questão ambiental. A divisão estimularia ainda mais o desmatamento, a destruição de nossos rios, a expansão da fronteira agrícola (leia-se o agronegócio) e a destruição de populações tradicionais e povos indígenas.
Outro argumento a ser considerado é o cultural. É verdade que há poucos traços em comum entre Belém e o sul do estado no quesito da cultura. Mas quem disse que queremos uma cultura única? O carimbó e o brega, tão característicos do Pará, não podem ser considerados como única cultura. O rock, o hip hop, o samba e o reggae produzidos no Pará também fazem parte de nossa identidade cultural. Uma identidade assentada justamente na diversidade. Se o Círio de Nazaré é um patrimônio imaterial do nosso estado, não podemos menosprezar o peso que as igrejas evangélicas possuem, principalmente a Assembleia de Deus, também ela genuinamente paraense. Quem advoga a tese da necessidade imperiosa de uma cultura única deveria propor a divisão do estado de São Paulo, cuja identidade está assentada justamente sobre seu caráter cosmopolita. O sushi, a pizza, o arroz de carreteiro e a buchada de bode são partes legítimas da cultura e da gastronomia paulistana. Ademais a história está cheia de exemplos trágicos de quem tentou impor uma cultura única, tão característica de regimes ditatoriais e totalitários.
Até o esporte perderia com a divisão do estado. O campeonato de futebol, por exemplo, seria reduzido a um triste espetáculo de um ou dois times por estado, perdendo a emoção de um torneio equilibrado como tem sido os últimos anos.
Por último se a lógica é criar estados pequenos para melhor administrar deveriam propor a subdivisão do Tapajós, que já nasceria como 3º maior estado do país.
Na verdade o que faz do Pará um estado rico, mas de povo pobre é o modelo de “desenvolvimento” adotado. Vivemos em uma sociedade capitalista, que vive da exploração destrutiva de nossos recursos naturais e humanos e isso não pode ser abstraído dessa discussão. Uma sociedade que destina quase 50% do orçamento da União para o pagamento da dívida pública com os bancos nacionais e internacionais, enquanto a saúde não merece mais que míseros 4% e a educação não mais que 3%. Uma vergonha!
Outra questão importante é sobre a defesa que os socialistas fazem do direito à autodeterminação dos povos, que é justa e que continuamos a defender. A questão é que a proposta de divisão do Pará não responde a um anseio de um povo, etnia ou estrato social oprimido por outros povos. Tampouco a região foi anexada artificialmente pelo poder central. Não é o “povo” do Pará que oprime o povo do Carajás ou do Tapajós. A mesma classe dominante nos oprime a todos. O direito a autodeterminação é justamente para evitar que um povo seja dividido artificialmente pela classe dominante. Nesse caso, por mais incrível que possa parecer, dividir o estado é que avilta o direito à autodeterminação.
A divisão do estado não vai permitir o acesso da população às riquezas de sua região. A lógica do capital não vai permitir isso. Os ricos ficarão cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres. Tanto é assim que o povo de cidades como Parauapebas e Canaã dos Carajás, que tem arrecadações milionárias, vivem em condições extremamente precárias, bem parecidas com as que encontramos nas periferias de Belém ou Ananindeua. Se estado pequeno fosse sinônimo de estado rico o DF, Sergipe, Espírito Santo, Alagoas e o rio de Janeiro seriam verdadeiros paraísos.
A periferia no capitalismo não é apenas geográfica, mas principalmente sócio-econômica. A falência do projeto capitalista para a Amazônia é o verdadeiro responsável pelo sentimento separatista que sangra nosso estado. Cabe aos militantes dos diversos movimentos sociais impor um corte de classe nessa discussão. Não podemos deixar que a elite paraense, ela mesma responsável pelo abandono do interior, seja a vanguarda da luta contra a divisão.
Aprovada ou não a divisão o Pará não será mais o mesmo. O sentimento separatista beira o xenofobismo e isso precisa ser duramente combatido. Um aspecto positivo dessa discussão é que estamos sendo obrigados a conhecer melhor a realidade do interior do estado. Uma maior atenção ao interior do estado é inevitável. Ao mesmo tempo a população do interior está conhecendo mais Belém e a região nordeste. Se conseguirmos superar a fratura social que está se intensificando, poderemos avançar numa integração mais saudável do estado. Mas tudo isso está condicionado à mudança desse modelo de desenvolvimento. Só um governo comprometido com a causa socialista e popular pode avançar na verdadeira integração do estado.

*Fernando Carneiro é historiador, dirigente do PSOL/PA e membro da equipe do Ponto de Pauta
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