Páginas

1 de jan. de 2012

Entrevista - Hilton Coelho (PSOL): “Salvador não deu permissão para a Prefeitura destruir nosso patrimônio histórico”

Por Amanda Barboza
Edição: Bárbara Souza
Assim como grande parte dos políticos, Hilton Coelho (PSOL) começou a vida política como militante do movimento estudantil. Ele estava com 16 anos e estudava na antiga Escola Técnica Federal da Bahia, no Barbalho, “Fui presidente do grêmio. Na época em que se discutiam eleições diretas, tinha todo um debate que marcou a própria Constituição”, lembra. Hilton, que gosta de “política mais autêntica, da política coletiva”, se expressa em bom plural majestático: “nós nunca tivemos mandato eletivo”. Famoso pelo jingle eleitoral mais popular dos últimos tempos – “eu quero Hilton, 50, na capital da resistência” – o psolista teve a primeira candidatura em 2006. “Eu fui candidato a governador e a partir disso, em todas as eleições, a gente teve uma candidatura”, conta. Além da ousada candidatura a governador, Hilton já tentou ser eleito para deputado estadual e prefeito de Salvador. Em 2012, pode ser o candidato do PSOL à sucessão municipal, apesar de o próprio Hilton apontar Marcos Mendes e Hamilton Assis como os nomes fortes do PSOL. Nessa entrevista, Hilton dispara contra o governador Jaques Wagner e o PT (antigo partido de Hilton), defende uma CPI para investigar as obras do metrô – que ele qualifica como “um sumidouro de dinheiro” - fala sobre grandes questões sociais da cidade e declara que Salvador “ganharia muito” com um prefeito socialista. Confira.


Política Hoje - Por que você deixou o PT?

Hilton Coelho - Eu costumo dizer assim: nós fundamos outro partido porque o PT se auto - abandonou do ponto de vista do programa e da prática política. Esse contexto em que eu comecei na militância foi quando se elaborou políticas para o Brasil muito consistentes, a ponto de influenciar a América Latina. Por exemplo, o problema da dívida pública. O PT foi um partido que a partir do que ele conseguiu colher dos movimentos sociais, ele elaborou uma metodologia para o tratamento da dívida pública, que, por exemplo, foi fundamental para o governo do Equador de Rafael Correa, que passou a pagar um terço da dívida pública. Resultado imediato: o governo do Equador em dois anos passou a ser zona livre do analfabetismo. Isso não está nem no horizonte da população brasileira, apesar do peso econômico do Brasil ser muito maior do que o Equador. A questão da reforma agrária, da saúde preventiva, esse conjunto de elaborações foi feito na década de 80 e o PT fez um programa que a gente chama de Programa Democrático Popular. O que é que acontece no início do governo Lula: esse programa é rasgado.

Política Hoje - Você ficou conhecido por um jingle que ficou ecoando nos ouvidos da gente. O que mudou depois do Hilton 50?

Hilton Coelho - Eu diria que pouca coisa se a gente for pensar na mensagem que a música traz e que por outro lado é um manifesto político. Nada ali está por acaso. Diz “chega de vender nossa cidade”. Você olha para Salvador e a cidade está vendida. O prefeito queria privatizar o Elevador Lacerda, um patrimônio histórico da cidade. Então, se a gente for ver o que é Salvador hoje, a questão da ocupação do solo, a situação do transporte coletivo é uma vergonha. Um metrô que é um sumidouro de dinheiro. O problema da saúde pública e da educação... “O desemprego e a violência têm causado muita dor”. Aqui no Pelourinho, umas 17h, você vê o abandono completo da população, crianças de oito, nove anos, se percebe claramente que são consumidoras de crack. A cidade está cada vez mais vendida pela falta desse debate político. Estamos às vésperas de uma eleição e se começa a dizer novamente que o metrô vai sair, sem se fazer um balanço do que tem sido o metrô. Existia uma proposta para a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito Estadual sobre o problema do metrô e a bancada de Wagner simplesmente afundou a CPI. O Ministério Público já foi lá, inclusive provocado pelo PSOL, e mostrou que está havendo fraude.

Política Hoje - Você acredita que o metrô da avenida Bonocô fique pronto ainda nessa gestão?

Hilton Coelho - Dificilmente.

Política Hoje - E quanto ao da Avenida Paralela, que está prometido para 2013?

Hilton Coelho - Eu sou um gato escaldado. Ainda não vi nenhuma consistência nesse projeto. Foi aprovado com uma indicação de verba sem dizer claramente, de maneira detalhada, o que ele seria. Então é uma incógnita. Apesar disso, já se fala de um investimento de R$ 3 bilhões. Olhe só: para aqueles dois trechos iniciais, a previsão era de R$ 420 milhões. O gasto para esses dois trechos iniciais já está em R$ 1 bilhão. Esse novo trecho deve ser uma soma de R$ 3 bilhões, sem dizer com consistência o que vai ser a implementação desse projeto. Estamos todos desconfiados. Era muito importante se fazer a CPI do metrô porque nós temos que saber como é que os recursos desapareceram para que eles não voltem a desaparecer com esse novo trecho.

Política Hoje - O que Salvador ganharia com um prefeito socialista?

Hilton Coelho - Ganharia muito. A cidade ganharia a possibilidade de intervir de maneira direta na administração porque isso é o elemento central do nosso programa. Quando a gente diz “chega de vender nossa cidade” no jingle, a gente estava querendo dizer que é preciso enfrentar as máfias organizadas nas diversas áreas que são importantes para a vida do soteropolitano. Todo mundo sabe que existe uma máfia organizada na área do transporte. Na área de saúde, não foi à toa que Neylton foi assassinado. Como é que se pega um servidor público e joga do nono andar? É uma iniciativa ousada. Da mesma forma, acontece com a educação. Para enfrentar esses grupos organizados, o gestor público não pode se abster da participação direta da população. E esse é o programa no PSOL. O carlismo incutiu na cabeça do baiano que para se ter uma boa administração é preciso ser amigo do governador ou do presidente. É uma coisa bem coronelista, mas que todos acreditam de alguma forma. Os neoconservadores estão falando isso abertamente.

Política Hoje - Por que será que a cidade não deu ainda oportunidade para um prefeito socialista?

Hilton Coelho - A forma de fazer política dos socialistas é uma forma diferenciada. A gente entrou na candidatura para prefeito, por exemplo, entramos com uma expectativa pequena do ponto de vista da votação, mas a nossa candidatura se reproduziu de tal forma que acho que se tivesse um terceiro turno a gente ameaçava. As pessoas começaram a simpatizar de tal forma com a candidatura que a gente não precisou de placas para ter o nosso nome divulgado. Uma amiga de minha mãe ligou de Londres pra dizer que tinha pego um brasileiro com o celular tocando a música da gente. Fazer com que a candidatura se reproduza, não por ter estrutura material, é a nossa metodologia. Mas essa metodologia leva mais tempo, precisa de um tempo maior para se maturar. Na última eleição para deputado, por exemplo, vocês não viram com certeza nenhuma placa nossa em Salvador, apesar da cidade estar mergulhada de placa de político. Aquela Paralela é uma afronta, inclusive ao TRE, mas ali naquele mar de placa você não iria encontrar nenhuma placa do PSOL nem da minha candidatura. Mesmo assim, aqui em Salvador, nós tivemos 20 mil votos para deputado estadual. O que aconteceu? As pessoas foram catando o número na internet. Boa parte do nosso eleitorado não votou porque não sabia o número. A gente não quer ter vitória política a partir do apoio do poder econômico, que fica sangrando a máquina pública. A gente teve 20 mil votos em Salvador gastando menos de R$ 30 mil, enquanto dizem que uma candidatura para ter expressividade em Salvador deveria gastar no mínimo R$ 1 milhão. Se a gente pegasse R$ 200 mil de uma empresa, a gente estava eleito com tranquilidade. Caso o PSOL indique o meu nome para ser candidato a vereador, que é essa a tendência, teremos um mandato poderosíssimo, de cabeça erguida.

Política Hoje - Você falou agora do carlismo e dos neoconservadores, que seriam uma nova roupagem do carlismo. Como você avalia esse novo quadro político?

Hilton Coleho - É preciso analisar a quem a política feita por esses grupos vem beneficiando. Se a gente fizer uma radiografia do governo Wagner, você vai ver que ele está beneficiando os mesmos segmentos econômicos. Wagner deu continuidade a privatização na área da saúde, hoje quem administra o Hospital do Subúrbio é a Promédica. [Jaques] Wagner vem dando continuidade a precarização da atividade pública que o carlismo começou, principalmente no que diz respeito à privatização. Nunca se viu tanto estagiário e mão de obra terceirizada. Wagner vem administrando uma quantidade muito alta de recursos para o agronegócio, que é uma coisa péssima para a Bahia porque é a reprimarização da economia baiana através da monocultura, que exaure o solo, não gera emprego, cheia de agrotóxico, que inibe a agricultura familiar. Wagner vem despejando uma quantidade enorme de recursos nos bolsos das empreiteiras. A OAS e a Odebrecht, que o digam. São elas que estão à frente das obras do metrô, da Fonte Nova, do Emissário Submarino, da transposição do São Francisco. Então existe um princípio da continuidade fortíssimo. O carlismo também não acabou do ponto de vista do método porque o grande argumento de Wagner para continuar como governador era de ser amigo da presidente.

Política Hoje - Como é possível, para o PSOL, resolver o problema da saúde no município?

Hilton Coelho - O PSOL tem dois candidatos muito bons que são Marcos Mendes, que disputou o governo do Estado na eleição passada, e Hamilton Assis, que foi candidato a vice-presidente da República na última eleição. A primeira coisa que vamos fazer ao chegar à prefeitura de Salvador é uma auditoria nas contas da educação e da saúde. É uma coisa que nenhuma administração teve coragem de fazer. É pegar as contas, colocar nas mãos do TCU, para saber onde está indo o dinheiro da saúde, da educação, quais são os gargalos. E aí, não tenha dúvida, vai ser sujeira para tudo quanto é lado. Recursos chegam. Salvador recebe cerca de R$ 700 milhões para a saúde. Não se justifica que se tenha os postos nessa situação de abandono. A segunda medida é concurso público. Verba para pagamento de salário é indesviável, ampliar o número de profissionais.

Política Hoje - Sobre o PDDU, quais seriam os prejuízos e os benefícios na sua avaliação?

Hilton Coelho - Tem que se discutir tudo. Salvador é um patrimônio coletivo e não de pequenos grupos. Para o PSOL é inconcebível o argumento de que não pode parar o desenvolvimento de forma alguma. Vai chegar um momento em que não se terá mais prédios em Salvador e vamos fazer o quê? Derrubar um prédio para construir outro? É inconcebível que se cerque a orla de Salvador, que é um patrimônio da nossa cidade, que se cerque de sombra. Os soteropolitanos tiveram essa opção de transformar a cidade num forno? Os soteropolitanos fizeram a opção de acabar com os resquícios de mata atlântica na Paralela? E é um problema de saúde pública, Salvador vê epidemias atrás de epidemias e todo mundo sabe que é uma questão de desequilíbrio ambiental. Salvador não deu permissão para a Prefeitura destruir o nosso patrimônio histórico.

Política Hoje - Você acabou de falar do patrimônio histórico, vou aproveitar para falar sobre turismo. Como fortalecer esse setor na capital baiana?

Hilton Coelho - Salvador traz turistas, mas eles não voltam. Chega aqui no Pelourinho, é muito desagradável ver uma criança com sinais claros que está consumindo crack. Então, a melhor forma de se apresentar uma cidade, é apresentar uma qualidade de vida do seu próprio povo. Um ponto básico para melhorar o turismo de Salvador é melhorar a situação do seu povo. Essa revitalização passa por isso: revitalizar a vida de quem vive no espaço.

Política Hoje - Para finalizar, gostaria de saber qual a sua opinião sobre duas vagas a mais na Câmara de Vereadores na próxima legislatura [2013-2016].

Hilton Coelho - Apesar de beneficiar a todos os que querem ser candidatos - num olhar imediatista -, eu achei péssimo. É uma desmoralização da política do Brasil. Quem são os vereadores que têm de fato comprometimento com a cidade? Ninguém. Essa é que é a realidade. A Câmara não precisa de mais dois vereadores. Os que estão aí deveriam fazer o seu papel e não fazem. Se nós estivéssemos na Câmara, seríamos contra [o aumento do número de cadeiras].
_________________
Pedimos divulgação por e-mails e nas redes sociais.

Faça parte do perfil: Facebook - Página 50

Nenhum comentário:

Postar um comentário