Pouco mais de um mês e meio atrás, ainda no contexto das manifestações do vempraruafsa, uma audiência na Câmara de Vereadores de Feira de Santana foi interrompida por uma ocupação. Na oportunidade, a urgência da discussão trazida pelos manifestantes, a péssima situação do transporte público, abafou a repercussão adequada do tema em debate com os pouquíssimos vereadores presentes no dia: a dramática realidade de quem tem anemia falciforme no nosso município. A doença é genética, não tem cura e acomete especialmente a população negra, o que agrava a vulnerabilidade dos portadores já que infelizmente as famílias negras ainda apresentam os piores indicadores sociais do país. Além da imunidade também ser comprometida, há a possibilidade de desenvolvimento de complicações renais, cardíacas e, principalmente, ósseas. Embora incurável, a anemia falciforme pode ser tratada para garantia de uma boa qualidade de vida e ampliar a expectativa de vida, o que depende de políticas públicas específicas. A Bahia tem a maior ocorrência nacional de casos, bem como Feira tem por volta de duas centenas de portadores cadastrados e inúmeros sem qualquer acompanhamento específico. Após uma longa pressão da Associação Feirense de Pessoas com Doenças Falciforme (AFADFAL) e de pesquisadores da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), o poder público municipal deu alguns passos para reverter a omissão histórica sobre o assunto. Dessa forma, somente em agosto de 2012, foi criado um Centro de Atenção a Portadores da Doença Falciforme, com funcionamento provisório no Centro Social Urbano (CSU), na Cidade Nova.
Apesar
das várias limitações materiais e de profissionais, o Centro de Atenção se
constituiu em uma conquista importante que possibilita algum acompanhamento
especializado e reduz a necessidade de viagens penosas a Salvador. Porém, em
janeiro, uma das medidas iniciais do atual prefeito foi “desmontar” o Centro com
a demissão de seus profissionais (Situação fruto da maioria de vagas da área de
saúde ser fruto de indicação política). Foi no contexto desse descaso e do
risco de reversão de suas conquistas mínimas, que os portadores de anemia
falciforme reivindicaram na Câmara uma real política pública que os atenda. A
falta de informação ampla e acessível faz que muitas pessoas só sejam acompanhadas
adequadamente muito tarde, agravando problemas de saúde que poderiam ser
evitados. Muitos profissionais de saúde não têm formação para perceber e
encaminhar casos de anemia falciforme adequadamente, bem como a morosidade das
consultas e exames não raro leva à complicações graves para os portadores. Não
à toa, a AFADFAL tem o que lidar com a morte freqüente e prematura de seus
associados (Somente este ano, já faleceram cinco pessoas).
Recentemente,
no último dia 27, a Câmara de Vereadores aprovou a criação do Programa de
Promoção e Atenção Integral às Pessoas com Doenças Falciformes (Projeto de lei
nº 92/13). O Programa tem objetivos amplos, da educação à assistência. Resta
saber se tornará realidade ou, na prática, enfrentará os mesmos problemas de
“prioridade” do Centro de Atendimento: acesso difícil aos medicamentos,
transporte para tratamento inadequado e desconfortável, pouco acompanhamento da
assistência social e, especialmente, falta de previsão orçamentária própria. É
claro que quem tem anemia falciforme vive dentro da realidade da maioria da
população que precisa do Sistema Único de Saúde (SUS), sofrendo com o baixo
investimento público em saúde, privatização e o controle de exames e consultas
pelos “donos” políticos dos postos de atendimento. Contudo, é em casos de
doenças crônicas como anemia falciforme que a falta de prioridade e corrupção
da saúde pública revela de modo claro a sua face mais perversa: como a doença
não espera, milhares de pessoas são mortas diariamente pela velha política que
domina Feira e o restante da sociedade brasileira.
Jhonatas
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