Vinicius Mansur De Brasília (DF)
O embaixador da Palestina no Brasil fala sobre a batalha decisiva que se aproxima, na ONU, pelo reconhecimento de seu Estado.
A Liga dos países Árabes já anunciou que solicitará à Organização das Nações Unidas (ONU), ainda este mês, a inclusão da Palestina como membro pleno desta entidade. A ONU deverá levar o tema à votação até o mês de setembro. Contando com amplo apoio na comunidade internacional, a luta palestina tentará escrever capítulos decisivos de sua história no próximo período. No Brasil, a Coordenação dos Movimentos Sociais (CMS) lançou no último dia 20 a “Campanha Estado da Palestina já!”.
O Brasil de Fato entrevistou o embaixador da Palestina no País, Ibrahim Alzeben, para abordar o atual estágio desta articulação internacional. Além disto, o embaixador também discorre sobre a importância brasileira e latino-americana nesta luta, revela que o Estado Palestino deverá ser reconhecido em breve pela Colômbia – único país sulamericano que ainda não o fez – e ainda comenta a atual conjuntura política em seu país sob a luz da “Primavera Árabe”. Confira a entrevista.
Qual o impacto da “Primavera árabe” para a luta palestina?
Quando começou a revolução Palestina, com a formação da OLP (Organização Para Libertação da Palestina, fundada em 1964), nós considerávamos que a imagem desta revolução era a Palestina, o coração árabe e o corpo internacional. Portanto, qualquer acontecimento no mundo árabe acontece no coração da causa palestina. Desejamos que nossa nação árabe, nossos povos, tenham uma democracia e uma independência verdadeira, merecem voltar a ter o papel que lhes corresponde na humanidade. Na nossa região nasce o abecedário, o comércio, a primeira cidade do mundo, nascem civilizações, o desenvolvimento da ciência, da literatura,. Lamentavelmente, faz uns séculos que essa nação está sendo colonizada, vivendo um atraso. Mas, todas as atuais mudanças do mundo árabe são a favor da Causa Palestina. Em todos estes levantamentos, na Tunísia, Síria, Egito, foi imediatamente colocada a posição de respeito à Causa Palestina. No Egito, tivemos medidas práticas no sentido de aliviar o cerco contra Gaza e a abertura gradual do posto fronteiriço.
Como estão os novos diálogos entre Fatah e Hamas?
Estamos ainda negociando. Só que não tem retrocesso, temos que formar um governo que satisfaça o interesse do povo palestino e que esteja de acordo com o direito internacional. É possível. A reconciliação é importante e é um problema que Fatah e Hamas devem resolver.
O que motivou esse acordo?
O povo palestino não agüenta mais tanta divisão. É a força popular, o povo sempre tem a última palavra.
A solicitação à ONU para que o Estado da Palestina seja reconhecido como um membro pleno dela é o objetivo central hoje? Existe unidade em torno disto?
O objetivo central palestino é a paz. O estado é uma garantia de ter uma vida digna e ter a paz. Para obter a paz precisa de instrumentos. Esse é um dos instrumentos imprescindíveis: um Estado que veja os interesses de sua população, sua segurança, em todos os sentidos, da mesma forma que Israel tem a sua segurança, através de um Estado. Isso é uma unanimidade na Palestina. Uma das principais bandeiras, então, é essa luta na arena internacional, a ONU vai ser a última batalha. Anteriormente tem que trabalhar nos países que são membros para, na hora da votação, obter esse lugar que nos corresponde. O melhor caminho seria um acordo bilateral entre Israel e Palestina, que eles fossem o primeiro país a reconhecer sua responsabilidade histórica e começassem a corrigir. Somos vizinhos, temos que tolerar, respeitar e conviver. Porque não é nenhum orgulho ter do meu lado um vizinho que está morrendo e não dar a mão. O vizinho não afetado tem obrigação moral, humana, de estender a mão. Não colocar nosso povo num cerco, não castigar Gaza, ela precisa ser reconstruída, já. Faz dois anos e meio que Gaza aguarda pela reconstrução, ainda tem mais de 60% morando em condições infra-humanas, a raiz daquele genocídio cometido por Israel. Mas já que não existe essa vontade política por parte de Israel, não temos outra. Vamos à ONU.
Como o senhor vê a possibilidade de um estado dentro das fronteiras de 1967?
É uma possibilidade real. A Palestina histórica são 27.009 quilômetros quadrados, ficaríamos com 6.090, mas sim, é possível, não seremos o único estado pequeno no mundo. Existe um povo que tem inteligência, território, vontade política e reconhecimento. Então, falta só o reconhecimento da ONU e esse é o tema de agora. Estamos sob ocupação, tudo bem. Ela não vai terminar em uma noite, mas não pode durar uma eternidade. Israel não pode seguir ocupando território nosso e nós não podemos seguir aceitando. Israel vai ter que ceder. Se eles seguem membros da comunidade internacional, vão ter que respeitar a carta magma.
Formado o Estado palestino, como seriam as relações com Israel?
Uma relação de vizinhos, não vejo outra relação de inimigos. Começando por Israel respeitando nosso direito de criar nosso estado independente, livre, soberano, viável. Tem que haver uma cooperação em todos os sentidos. Israel tem também que reconhecer sua responsabilidade histórica, de 63 anos até agora, de catástrofe palestina. Não foi um desconhecido que fez a catástrofe palestina, foi Israel. Claro, com apoio de outra superpotência. Tudo bem. Só que, diretamente, o responsável pelo holocausto judeu foram os nazi. Estavam apoiados por outros, verdade, mas tem o responsável.O responsável da nossa diáspora é Israel. Portanto, tem que reconhecer sua responsabilidade, pedir desculpas, indenizar os palestinos, proceder como uma nação civilizada.
Em quantos países do mundo a Palestina tem embaixada?
Mais de 111 países que reconhecem o Estado Palestino. Não sei ao certo. E são mais de 90 embaixadas.
Quem foi primeiro país a reconhecer?
A Argélia, em 1988, 15 de novembro. A primeira representação no hemisfério ocidental foi em Cuba, em novembro de 1974. Depois o México, depois a Nicarágua, a raiz da revolução sandinista em 1979. Depois vieram representações da OLP em todos os países, inclusive no Brasil. Até 1993, tínhamos uma representação da OLP aqui, depois já se converte em uma delegação especial da Palestina e a partir de 3 de dezembro de 2010 já se converte em embaixada. Foi algo especial porque é a nossa primeira pedra fundamental nesse hemisfério, a primeira que construímos. Todas as outras embaixadas na América Latina são compradas, emprestadas, dadas ou alugadas. Aí sim começa a mudar a história na América Latina.
Por que?
Foi um passo decisivo. Depois veio Argentina, Equador, Bolívia, Suriname, Guiana e assim sucessivamente.
Todos os países da América do Sul já reconhecem?
Quase. Melhor deixar isso, porque possivelmente vai haver um reconhecimento em breve, não quero estragar as coisas.
Quais países na América do Sul ainda não reconhecem o Estado palestino?
Só falta a Colômbia.
O senhor enxerga lutas em comum entre os latino-americanos e a Palestina?
A dignidade humana, a conservação de nossos recursos naturais, que eles estejam a serviço do bem-estar dos nossos povos, somos todos povos em luta. Somos considerados terceiro mundo, mas acho que essa denominação colonial para dividir o mundo em um, dois, três ou quatro não combina.
O Tratado de Livre Comércio Mercosul-Israel atrapalha a luta palestina?
As relações de Israel em nível mundial atrapalham e não atrapalham. Atrapalham quando se põem a serviço da ocupação. Quando vendem armas ou munições, elas são usadas diretamente para fortalecer a ocupação, isso é uma a injustiça que não podemos aprovar. Israel, como Estado soberano, tem direito de manter relações. Agora, deve ter uma regra que regule as relações entre as nações. Portanto, essa relação com o Mercosul, se beneficiar assentamentos israelenses dentro do território palestino são condenáveis... Falamos com nossos parceiros que tivessem cuidado com as relações para não fortalecer estes assentamentos israelenses dentro do território palestino.
Isto já acontece?
Acontece. Mas o Tratado ainda não está fechado. E o Mercosul tem um tratado de livre comércio com a Palestina, que já foi assinado, dia 19 de dezembro passado, em Foz do Iguaçu. No início de julho na Cúpula 41 do Mercosul, em Assunção, Paraguai. Palestina, junto com Japão, foram os únicos convidados com direito a fala. As relações com a América Latina estão se desenvolvendo e esperamos uma participação mais ativa no processo de paz. Essa campanha quer dizer que tem gente que sente a dor do povo palestino. O mundo deve se livrar já dessa dor, fazer justiça, para se voltar a outras tarefas importantes, como o meio ambiente estamos desperdiçando muita energia.
Qual o tamanho da comunidade palestina no Brasil?
Não temos uma estatística. Se você não tem Estado, não tem instituições sólidas e tem tarefas imediatas para fazer. Não é uma prioridade saber quantos palestinos temos aqui porque sabemos que todos estão a salvo, entre irmãos.
Mas há alguma política para eles?
Temos um departamento de expatriados, tanto para o OLP como para ANP (Autoridade Nacional Palestina). Consideramos que os Palestinos na diáspora são uma reserva estratégica, a ponte que une a Palestina com o mundo. Nossa política é bem clara: um bom cidadão no Chile, no Brasil, na Colômbia vai ser um bom cidadão na Palestina. Trabalhamos de maneira que os palestinos possam ter livremente sua dupla nacionalidade, sem afetar a lealdade a nenhum dos dois. Essa tarefa pode ser feita perfeitamente e serve de ponte cultural, política, econômica e diplomática.
Quem é:
Ibrahim Alzeben é embaixador da Palestina no Brasil. Jornalista, 56 anos, estudou na Jordânia e em Cuba. Como diplomata trabalhou em Cuba, Nicarágua, Peru, Bolívia, Brasil, Venezuela, Colômbia e Paraguai.
Fonte: Brasil de Fato
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