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24 de set. de 2011

Câmara aprova Comissão da Verdade limitada e coloca em risco o objetivo de trazer à tona a verdade sobre a ditadura

O Plenário da Câmara dos Deputados aprovou na noite desta quarta-feira (21/09) o Projeto de Lei 7376/10, do Executivo, que cria a Comissão Nacional da Verdade, para esclarecer casos de violação de direitos humanos ocorridos entre 1946 e 1988. A matéria será enviada para análise do Senado. A comissão funcionará no âmbito da Casa Civil da Presidência da República e será composta por sete integrantes, nomeados pela Presidência, entre brasileiros identificados com a defesa da democracia e com o respeito aos direitos humanos. Eles terão dois anos para produzir um relatório sobre suas descobertas.

Entre outros, a Comissão Nacional da Verdade terá como objetivos esclarecer os casos de tortura, mortes, desaparecimentos forçados e ocultação de cadáveres; identificar as estruturas, as instituições e os locais relacionados à prática de violações de direitos humanos; recomendar medidas para prevenir a violação desses direitos; e encaminhar aos órgãos competentes informação que ajude na localização e identificação de corpos.
O projeto aprovado foi resultado de um acordo entre o governo e os partidos de oposição de direita na Câmara, que tiveram emendas ao texto aceitas pelo relator Edinho Araújo (PMDB-SP). Segundo o líder do governo, deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), esse será o texto sancionado pela Presidenta Dilma.
O PSOL, que não participou do acordo costurado pelo governo, votou a favor da criação da Comissão da Verdade, mas destacou uma série de dificuldades que serão enfrentadas por conta do formato aprovado e das prerrogativas que terá a Comissão.
“O PSOL é favorável a uma Comissão da Verdade de verdade, para fazer história no nosso país, para fazer justiça, para distinguir da verdade que foi plantada artificialmente, para resgatar a memória do povo brasileiro”, disse o deputado Ivan Valente, apontando os problemas no texto do governo.
Entre eles, o tamanho da comissão (apenas sete membros), prazo exíguo para levantamento das informações (dois anos), período de análise muito extenso (o foco deveria ser a ditadura militar), falta de recursos orçamentários, o sigilo previsto para alguns documentos e pouca autonomia para levantar dados, convocar pessoas e fazer com que a verdade apareça.
“Todos os países da América Latina e a África do Sul fizeram Comissões da Verdade grandes, fizeram investigações. Na Argentina, inclusive, há Presidentes da República na cadeia, como Videla e Galtieri. Não nos move nenhum sentimento de revanche. O que queremos é que o Brasil, de verdade, feche suas feridas e possa virar essa página da história. E o papel da Comissão da Verdade é exatamente este: estabelecer a impunibilidade e trazer à luz o que significou o Estado brasileiro assumir a tortura como política de Estado e montar aparelhos de repressão, e aí reconstituir todo o processo de quebra da democracia brasileira”, defendeu. “Vamos votar a favor disso, mas não podemos criar uma comissão da qual vamos nos envergonhar depois, sem ter condições de olhar para a nossa juventude e para o nosso povo”, acrescentou.
O deputado Chico Alencar (PSOL/RJ) criticou o fato de nenhuma das emendas apresentadas pelo partido, em conjunto com a deputada Luiza Erundina, terem sido aceitas pelo relator. Uma delas determinava que a Comissão da Verdade colaborasse “com todas as instâncias do poder público para apuração de violação de direitos humanos”. O governo chegou a sinalizar que a aceitaria, mas depois do protesto do PSDB, recuou novamente.
“Estamos aqui, tolerantes, pacientes, conciliadores, vendo que o setor conservador da Casa é sempre muito contemplado pelo Governo, mitigando ainda mais a Comissão que pode não trazer toda a verdade a que a população tem direito. E o relator ceifou absolutamente todas as nossas emendas. A afirmação do Líder do PSDB Duarte Nogueira de que a única das nossas emendas a ser acolhida, que também foi embora,  revogaria a Lei de Anistia e a Lei de mortos e desaparecidos é absolutamente inconsistente. Dizer que a Comissão deve colaborar com o Poder Público no caso de apuração de violação de direitos humanos não é revogar a Lei de Anistia em lugar nenhum”, afirmou Chico Alencar.
A deputada Luiz Erundina (PSB/SP) defendeu que o projeto da Comissão da Verdade tivesse sido mais debatido de forma mais aprofundada e democrática com o conjunto dos parlamentares, para que pudesse ter sido aperfeiçoado.
“A proposta tem limites muito fortes para lhe dar eficácia e efetividade em relação aos objetivos a que ela se propõe e não toca num objetivo que todas as Comissões da Verdade colocam como principal, que é fazer justiça. Tem que haver o compromisso de que os dados, as informações e o que for apurado sejam encaminhados ao Poder Judiciário, ao Ministério Público, para que os crimes comprovadamente identificados e investigados sejam, de fato, objeto de ação da Justiça. É para isso que existe uma Comissão da Verdade”, lembrou Erundina. “Aprovar essa Comissão com as dificuldades que evidentemente estão colocadas neste plenário certamente vai frustrar e adiar o pagamento de uma dívida que o Estado brasileiro e o Congresso Nacional devem aos familiares e, mais que isso, devem à democracia brasileira”, acrescentou.
O texto que será encaminhado ao Senado, no entanto, manteve os problemas e fragilidades da Comissão levantados no debate na Câmara.
Mudanças na Lei de Anistia
Também está em tramitação na Casa, para ser votado na Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional, outro projeto de lei relacionado ao tema. O PL 573/2011, de autoria da deputada Erundina, altera a Lei da Anistia excluindo os crimes conexos cometidos por agentes públicos, militares e civis, permitindo assim que os agentes do Estado sejam responsabilizados pela prática de tortura, assassinato e desaparecimento forçado durante a ditadura militar.
Na avaliação do deputado Ivan Valente, o governo é contrário ao texto e há um risco de arquivamento do PL 573/2011, o que compromete significativamente os trabalhos da Comissão da Verdade.
“Segundo o Supremo, pela lei atual os militares que torturaram e mataram foram anistiados. Portanto, garantir a oitiva dessas pessoas, uma das principais questões da Comissão da Verdade, tem ligação direta com a Lei da Anistia. Por isso é fundamental que a sociedade brasileira também se mobilize e pressione o governo federal pela aprovação deste projeto. Do contrário, justiça não será feita”, concluiu Ivan Valente.
* com informações do Jornal da Câmara
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