UM
BREVE COMENTÁRIO: YOANI, CUBA E FRASES PRONTAS
A
julgar pela repercussão da visita de Yoani Sánchez ao Brasil, Cuba continua
despertando interesse e gerando polêmica. O que não deixa de ser positivo
considerando que a maior parte dos brasileiros, devido à tendenciosa cobertura
de mídia, geralmente está voltada apenas para o que acontece na Europa e, em
especial, nos Estados Unidos. Entretanto, é evidente que os termos dessa
polêmica ainda são essencialmente dados também por essa mídia. Assim, Cuba passou
por uma “revolução sanguinária”, marcada pelos “paredões”, pela “perseguição
política”, pela “morte de inúmeros presos políticos”, é vista como “ditadura”, e,
para não fugir à moda, acusada de “cercear a liberdade de expressão” ou “violar
direitos humanos”. No geral, parte considerável das opiniões nas redes sociais
acompanha essa leitura sobre a realidade cubana. Discordo radicalmente dessa visão,
não por achar que Cuba é o paraíso, mas simplesmente porque essa perspectiva
não se sustenta a partir das evidências históricas e dos dados apresentados por
inúmeras instituições internacionais (Em sua maioria, insuspeitas de qualquer
simpatia à Ilha). Obviamente, a sociedade construída após a Revolução Cubana,
em 1959, possui problemas, inclusive no seu modelo político. Dessa maneira,
Cuba se constitui como um desafio: através da manutenção de uma sociedade
igualitária, como ampliar as formas de participação e expressão popular? É
nesse sentido que as reformas necessárias em Cuba devem ser pensadas, pois desconfio
que a transformação da Ilha em um “capitalismo sui generis”, como defende Yoani Sánchez, apenas reconduziria Cuba
ao mesmo lugar de desigualdade e miséria que marca boa parte dos países vizinhos
na América Central.
Infelizmente,
pelos próprios limites das redes sociais, não é possível aqui discutir todas as
matizes que a história cubana tem. Contudo, em um cenário onde a leitura que
fundamenta parte dos comentários são livros como o Guia politicamente incorreto da América Latina, vale sugerir alguma
outra referência que não seja movida exclusivamente pelo desejo de desconstrução
da política de esquerda no nosso continente. Nesse caso, uma leitura interessante
é A Revolução Cubana, de Luis
Fernando Ayerbe, livro publicado pela Editora Unesp. Com certeza, não tem a
mesma linguagem “engraçadinha” ou o conservadorismo disfarçado de
“politicamente incorreto”, mas é um livro escrito por um estudioso que se
preocupou em consultar fontes diversificadas e originais sobre o processo
político cubano. E isso é muito valioso, se o interesse é conhecimento sobre
Cuba e não a repetição de frases prontas.
Por
sua vez, mesmo compreendendo que a discussão sobre Cuba é predominantemente
formada por opiniões baseadas em noticiário televisivo e tais “guias
especializados”, defendo o direito de cada um emitir sua opinião, até no caso
da dita opinião ser apenas uma besteira. Dentro desse princípio é que situo o
direito de Yoani Sánchez dizer o que quer que seja. Não à toa, li várias
postagens do seu blog Generación Y e,
particularmente, vi problemas concretos utilizados para convencer o leitor que Yoani
vive dentro de uma atmosfera opressiva e um mundo de privações de consumo: cada
ato dela é descrito como quase alvo de uma repressão que se insinua, mas oportunamente
nunca a impede de falar (O “quase” não é coincidência). A narrativa é pessoal, mas a intenção é espelhar o que
falta ao povo cubano em geral. Diante
disso, a sentença que atravessa todos os textos da blogueira é simples: a culpa
é do regime! O conveniente é que a realidade econômica e histórica da Ilha é
absurdamente descontextualizada: por exemplo, para ela as sanções impostas
pelos Estados Unidos são apenas uma “justificativa” para os erros das
autoridades cubanas e raramente são citadas. Sem dúvida, é uma “impressão pessoal”
sobre a situação cubana e ela tem todo o direito de tê-la, mas essa visão
dificilmente se sustenta como “a” verdade sobre Cuba como tanto quer a grande
mídia brasileira e mundial. A quem tem interesse em averiguar essa afirmação,
sugiro a leitura da entrevista concedida pela própria Yoani Sanchéz ao
jornalista francês Salim Lamrani. Em tempos de jornalismo raso, é importante
ressaltar que Salim Lamrani é ensaísta especializado nas relações entre Cuba e
EUA, doutor em Estudos Ibéricos e Latino-americanos pela Universidade Sorbonne
(Paris IV), professor e pesquisador nessa instituição e várias outras. A
entrevista em português se encontra disponível, entre outros endereços, em
http://www.viomundo.com.br/entrevistas/salim-lamrani-um-bate-papo-com-yoani-sanchez.html
(O áudio também se encontra disponível na rede para quem quiser conferir). A
entrevista é longa, o que foge ao feitio do que mais circula na rede, mas
essencial para quem não quer se restringir à superficialidade. Como visível
nessa entrevista, não há nada que justifique impedir o pronunciamento da
blogueira cubana, como equivocadamente aconteceu na última segunda-feira à noite:
não só pelo direito de livre expressão ser fundamental, mas porque qualquer pessoa
razoavelmente informada pode contrapor-se à fragilidade dos seus argumentos.
Jhonatas Monteiro
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