Às
vezes, o risco de olhar o ponto é esquecer que ele faz parte de um conjunto.
Esse é o caso, sem dúvida, da atual problemática sobre a qual município
pertencerá o Centro de Distribuição d’O Boticário (ainda em construção). Como
amplamente divulgado, o empreendimento resultou em um verdadeiro cabo de guerra
entre a administração municipal de Feira de Santana e a administração municipal
de São Gonçalo dos Campos. O prefeito de São Gonçalo alega que toda a
negociação para a instalação da empresa, sob condução do governo estadual,
sempre indicou o seu município. Por sua vez, aqueles secretários municipais de
Feira que se pronunciaram sobre a questão alegaram possuir mapas que
tecnicamente comprovam a localização feirense do empreendimento. Em ambos os
casos, a preocupação exclusiva demonstrada até agora é com a arrecadação que
pode ser garantida – Algo em torno de R$ 3 milhões de receita de ICMS por ano,
segundo o prefeito de São Gonçalo. Justamente aqui é cabível um “porém” não
somente porque nada garante que essa massa de recursos terá realmente o uso
orientado para as necessidades da maioria da população em qualquer um dos dois
municípios, mas principalmente porque ao que parece se esqueceu o principal
nessa disputa: a questão dos limites territoriais Feira-São Gonçalo não se
resume nem de longe à localização do Centro de Distribuição.
Na
verdade, as autoridades municipais de ambas as partes pouco se pronunciaram
sobre o abandono histórico a que foi deixada a população das áreas em vista. Em
contexto de acelerado crescimento urbano, com a criação de loteamentos,
condomínios e as chamadas “invasões”, não têm direitos básicos atendidos milhares
de pessoas residentes nas localidades Edite Figueiredo, São João, Ouro Verde,
Parque Viver, Jardim Aliança, Regina Regis, Alameda das Árvores, dentre outras (A
confusão abrange desde bairros como Sérgio Carneiro até povoados como Boa Hora).
Até então prevalecia uma espécie de “jogo de empurra”, em que aos moradores
queixosos ora se dizia que a responsabilidade pela área em que vivem era da
prefeitura de São Gonçalo, ora de Feira de Santana. Embora a mobilização
comunitária tenha garantido melhorias recentes, o dia a dia das pessoas de
localidades como o Jardim Aliança contou anos a fio com a falta de acesso à
água tratada, ruas inteiras sem energia elétrica, indefinição acerca do
atendimento básico de saúde, inexistência de qualquer linha de ônibus,
policiamento precário ou mesmo o não recebimento de correspondência por
ausência de CEP!
O
problema dos limites territoriais não é novo, pois resulta dos erros na
definição da área do Centro Industrial do Subaé (CIS), das relações de
compadrio político ainda na década de 1970, de interesses econômicos desse ou
daquele proprietário beneficiado com o estado de “indefinição” e de muito
descaso público. Ambos os municípios têm “culpa no cartório” por não terem
resolvido um problema tão velho através do planejamento territorial adequado,
em especial com a elaboração de Planos Diretores de Desenvolvimento Urbano que
previssem as suas áreas de expansão. Contudo, a responsabilidade do poder
público feirense é ainda maior porque, desde o fim da década de 1990 pelo
menos, trabalhos acadêmicos e o bom senso já indicavam o rápido crescimento da
sua área urbana em direção a São Gonçalo (O dito processo de “conurbação”). Portanto,
o mais importante da discussão não é a localização de seja lá qual
empreendimento, mas a inclusão de milhares pessoas de fato e de direito em um
município que garanta os seus direitos como cidadãos. Espero que os critérios
técnicos do trabalho conduzido pela Superintendência de Estudos Sociais e
Econômicos (SEI), que atualmente faz estudo da situação com base na legislação
estadual que prevê a revisão dos limites municipais (Lei estadual 12.057/2011),
também não reduzam a realidade social apenas em função de interesses econômicos
ou conveniência política momentânea. Para tanto, importa muito a opinião dos
moradores e análise de onde estão os seus vínculos familiares, de trabalho, de estudo,
eleitorais, de lazer, busca por serviços e com o atendimento público. Nesse
processo quem tem que ganhar não é o cofre dessa ou daquela prefeitura, mas a
população do limite Feira-São Gonçalo.
Jhonatas
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