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2 de set. de 2013

O BOTICÁRIO OU O POVO?


Às vezes, o risco de olhar o ponto é esquecer que ele faz parte de um conjunto. Esse é o caso, sem dúvida, da atual problemática sobre a qual município pertencerá o Centro de Distribuição d’O Boticário (ainda em construção). Como amplamente divulgado, o empreendimento resultou em um verdadeiro cabo de guerra entre a administração municipal de Feira de Santana e a administração municipal de São Gonçalo dos Campos. O prefeito de São Gonçalo alega que toda a negociação para a instalação da empresa, sob condução do governo estadual, sempre indicou o seu município. Por sua vez, aqueles secretários municipais de Feira que se pronunciaram sobre a questão alegaram possuir mapas que tecnicamente comprovam a localização feirense do empreendimento. Em ambos os casos, a preocupação exclusiva demonstrada até agora é com a arrecadação que pode ser garantida – Algo em torno de R$ 3 milhões de receita de ICMS por ano, segundo o prefeito de São Gonçalo. Justamente aqui é cabível um “porém” não somente porque nada garante que essa massa de recursos terá realmente o uso orientado para as necessidades da maioria da população em qualquer um dos dois municípios, mas principalmente porque ao que parece se esqueceu o principal nessa disputa: a questão dos limites territoriais Feira-São Gonçalo não se resume nem de longe à localização do Centro de Distribuição.

Na verdade, as autoridades municipais de ambas as partes pouco se pronunciaram sobre o abandono histórico a que foi deixada a população das áreas em vista. Em contexto de acelerado crescimento urbano, com a criação de loteamentos, condomínios e as chamadas “invasões”, não têm direitos básicos atendidos milhares de pessoas residentes nas localidades Edite Figueiredo, São João, Ouro Verde, Parque Viver, Jardim Aliança, Regina Regis, Alameda das Árvores, dentre outras (A confusão abrange desde bairros como Sérgio Carneiro até povoados como Boa Hora). Até então prevalecia uma espécie de “jogo de empurra”, em que aos moradores queixosos ora se dizia que a responsabilidade pela área em que vivem era da prefeitura de São Gonçalo, ora de Feira de Santana. Embora a mobilização comunitária tenha garantido melhorias recentes, o dia a dia das pessoas de localidades como o Jardim Aliança contou anos a fio com a falta de acesso à água tratada, ruas inteiras sem energia elétrica, indefinição acerca do atendimento básico de saúde, inexistência de qualquer linha de ônibus, policiamento precário ou mesmo o não recebimento de correspondência por ausência de CEP!

O problema dos limites territoriais não é novo, pois resulta dos erros na definição da área do Centro Industrial do Subaé (CIS), das relações de compadrio político ainda na década de 1970, de interesses econômicos desse ou daquele proprietário beneficiado com o estado de “indefinição” e de muito descaso público. Ambos os municípios têm “culpa no cartório” por não terem resolvido um problema tão velho através do planejamento territorial adequado, em especial com a elaboração de Planos Diretores de Desenvolvimento Urbano que previssem as suas áreas de expansão. Contudo, a responsabilidade do poder público feirense é ainda maior porque, desde o fim da década de 1990 pelo menos, trabalhos acadêmicos e o bom senso já indicavam o rápido crescimento da sua área urbana em direção a São Gonçalo (O dito processo de “conurbação”). Portanto, o mais importante da discussão não é a localização de seja lá qual empreendimento, mas a inclusão de milhares pessoas de fato e de direito em um município que garanta os seus direitos como cidadãos. Espero que os critérios técnicos do trabalho conduzido pela Superintendência de Estudos Sociais e Econômicos (SEI), que atualmente faz estudo da situação com base na legislação estadual que prevê a revisão dos limites municipais (Lei estadual 12.057/2011), também não reduzam a realidade social apenas em função de interesses econômicos ou conveniência política momentânea. Para tanto, importa muito a opinião dos moradores e análise de onde estão os seus vínculos familiares, de trabalho, de estudo, eleitorais, de lazer, busca por serviços e com o atendimento público. Nesse processo quem tem que ganhar não é o cofre dessa ou daquela prefeitura, mas a população do limite Feira-São Gonçalo.


Jhonatas

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