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29 de abr. de 2011

As alterações do Código Florestal são nocivas à biodiversidade brasileira

Em discurso no Grande Expediente da Câmara, no plenário, nesta terça-feira 26, o deputado Ivan Valente falou sobre o Código Florestal Brasileiro e os malefícios incluídos no substitutivo do relator Aldo Rebelo ao Projeto de Lei 1876/1999. “É extremamente nocivo ao interesse público, ao interesse nacional, à biodiversidade brasileira e às futuras gerações do nosso país”.
A Presidência da Câmara sustenta que a votação acontecerá na próxima semana. Entretanto, divergências na própria base governista podem adiar a apreciação do projeto. O PSOL e o PV estão empenhados em atrasar a votação e fazer com que o assunto seja discutido mais profundamente, ainda mais que somente agora é que a sociedade tem tomado conhecimento do debate. Na última segunda-feira (25), por exemplo, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) divulgou estudo em que discorda do relatório proposto e pede o adiamento por até dois anos de qualquer votação envolvendo o Código Florestal.
“A questão central é que o relatório do Deputado Aldo Rebelo quer dar uma licença para desmatar. A lógica do relatório é de anistia ampla, geral e irrestrita até julho de 2008. É a lógica dos que querem garantir a impunidade no nosso País para aqueles que degradaram o meio ambiente, aniquilaram as florestas brasileiras e não respeitaram a lei”, disse Ivan Valente.
O deputado citou manifestações de entidades contrárias à proposta de alteração do Código, falou particularmente das Áreas de Preservação Permanente (APPs) e da Reserva Legal, e criticou a pressão do setor do agronegócio, representado pela bancada ruralista, em votar de forma atropelada o PL em benefício próprio e comercial, em detrimento do meio ambiente.
Abaixo a íntegra do discurso do deputado Ivan Valente.

“Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, ocupamos a tribuna hoje para falar sobre a tramitação da nova versão do Código Florestal, o relatório do Deputado Aldo Rebelo, que reputo extremamente nocivo ao interesse público, ao interesse nacional, à biodiversidade brasileira e às futuras gerações do nosso País.
Quero saudar a entrega, no dia de ontem, do documento da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e da Academia Brasileira de Ciências do estudo que os cientistas fizeram sobre o Código Florestal. Hoje, eles estão aqui no Congresso Nacional e nos Ministérios pedindo o adiamento da votação desse projeto por 2 anos, baseados em estudos científicos e no imenso impacto social, econômico e ambiental das mudanças propostas pelo relatório Aldo Rebelo sobre a vida do País. Não é uma questão rural, é uma questão nacional, é uma questão urbana e rural.
Começo dizendo que o atual Código é sábio nisso, porque diz que a propriedade tem que ter uma função social.
E isso está garantido no art. 186 da Constituição Federal e no parágrafo único do art. 2.035 do Código Civil Brasileiro, quando estabelece que a função da propriedade não depende só do dono, mas do interesse coletivo público e do bem comum. Alguns entendem que a propriedade é sua e dela podem fazer o que bem quiserem. Hoje, as propriedades têm reservas legais e Áreas de Preservação Permanente, as APPs, exatamente porque há áreas de risco e áreas específicas que precisam ser preservadas.
Durante todo esse processo, Sr. Presidente, assistimos a uma grande devastação no nosso País. Esta foi a tônica: desrespeito à lei e devastação ambiental. Não é à toa que um país como o Brasil tem apenas 7% da sua Mata Atlântica, talvez o bioma mais rico, e 20% da Amazônia aniquilados.
A questão central é que o relatório do Deputado Aldo Rebelo quer dar uma licença para desmatar. A lógica do relatório é de anistia ampla, geral e irrestrita até julho de 2008. É a lógica dos que querem garantir a impunidade no nosso País para aqueles que degradaram o meio ambiente, aniquilaram as florestas brasileiras e não respeitaram a lei. O relatório quer revogar a Lei de Crimes Ambientais, atenta contra o art. 225 da Constituição Federal e outros diplomas, como o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza.
Na lógica, o relatório se propõe a defender os interesses dos pequenos, do pequeno proprietário, da agricultura familiar, mas, na prática, é o relatório do grande agronegócio exportador, da Confederação Nacional da Agricultura — CNA.
É por isso que não podemos deixar de colocar aqui os dados que interessam. Por exemplo, de acordo com um estudo da Universidade Federal de São Carlos temos a seguinte realidade: 80% das áreas que deveriam ser averbadas no Estado de São Paulo estão em grandes e médias propriedades. Ou seja, é possível que na prática o pequeno proprietário seja aquele que menos precise, e a mata da reserva legal e da APP é aquela que garante a valorização da sua propriedade.
E nós não estamos pedindo punição para os pequenos, estamos pedindo que o Estado brasileiro intervenha pelo pagamento de serviços ambientais, que o Estado brasileiro facilite a regularização dessas áreas da agricultura familiar, mas não do grande monopólio, do grande latifúndio brasileiro, o que prevê o relatório do Deputado Aldo Rebelo.
Por isso, queríamos, em primeiro lugar, dizer a esta Casa e a todos os que nos ouvem e vêem: na verdade, temos as Áreas de Preservação Permanente e de reserva legal, mas cada uma tem função distinta.
A Área de Preservação Permanente é uma área de risco, Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, para preservar os recursos hídricos contra o assoreamento dos rios, para preservar as encostas e os topos de morros, para garantir o fluxo gênico da flora e da fauna. Ou seja, é uma área que merece e precisa ser preservada.
Mais importante: o estudo da SBPC, entregue hoje, desmente o dado do relatório de que 22% da área brasileira são de APPs. Na verdade, os estudos mostram que são menos de 7% as Áreas de Preservação Permanente.
Outra é a função da reserva legal, percentagem da propriedade que, dependendo da região, vai de 20% a 80%, mas vem sucessivamente sendo desrespeitada. É nessa região, nas áreas de reserva legal, que se dá a manutenção do equilíbrio ecológico e climático, o controle de pragas, a polinização, a umidificação do terreno, a proteção contra o vento, a oferta de abrigo para a fauna, possibilitando processos ecológicos complexos que, na verdade, protegem a pequena propriedade em particular.
Isso demonstra, Deputado Domingos Dutra, que teríamos a seguinte equação para medir onde um pequeno produtor vai ter melhores condições de retorno e de lucro: se desmatar a área na beira do rio, a mata ciliar, para colocar uma roça de milho, o que ele vai ganhar com o milho não paga o que é a manutenção da vegetação nativa.
Por isso, insistimos: não ao fim da impunidade, como quer o relatório do Deputado Aldo Rebelo.
O relatório do Deputado Aldo Rebelo pretende anistiar 90% dos imóveis rurais, ou seja, as propriedades de até quatro módulos fiscais. Quatro módulos fiscais não é uma medida apropriada para unificar o nosso País.
Módulo fiscal ou rural pode variar de 20 a mais de 100 hectares, dependendo da região. O Deputado Aldo Rebelo está dando uma licença para desmatar a Amazônia de 400, 500 hectares em cada propriedade. E o faz da seguinte maneira: o novo cálculo da reserva legal será feito sobre o restante da propriedade. Perde-se mais ainda!
Em terceiro lugar, todo esse debate sobre área de reserva legal foi feito inadequadamente, porque o Código Florestal brasileiro já prevê o cômputo da reserva legal mais a APP, cujo percentual varia, dependendo da região: na Amazônia é 80%; no cerrado, 50%; e, na pequena propriedade, que diz defender, apenas 25%.
Nós temos condições de manter, sim, o Código atual, inclusive com os estudos feitos, a entrada da Ciência no debate político, a discussão sobre a produtividade da terra, o subaproveitamento dos terrenos ocupados pela agropecuária brasileira. Segundo o relatório da própria SBPC, antigamente eram 2,98 bois por hectare, agora é 0,93.
Então, é evidente que nós temos fronteiras que podem ser arredondadas novamente.
Além disso, existem hoje 70 milhões de hectares de áreas de pastagem degradadas. Nós temos condições de aprofundar o que se chama produtividade agrícola. Existe, ainda, a área de vegetação nativa, que não é coberta pelo Código. Por que se quer praticamente acabar com a reserva legal no Sudeste e Sul do País?
Quero afirmar, então, que nós não podemos concordar com isso. A proposta do Deputado Aldo Rebelo reduz de 30 para 15 metros a área que deve ser preservada em matas ciliares de rios com até 5 metros de largura. O estudo da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência aponta que 55% dos rios brasileiros estão na faixa de 5 metros. A perda de biodiversidade em APPs, apenas com essa medida nas matas ciliares, será de 30%. Quero que isso seja respondido à SBPC. Se for aprovado o relatório como está hoje, 69,2 milhões de hectares ficarão sem proteção da reserva legal. Isso é inadmissível.
É inadmissível também que se queira flexibilizar a legislação ambiental. Ou seja, não haveria um parâmetro político nacional se fosse dada aos Estados e aos Municípios autonomia para legislar.
Ficaria algo bastante esdrúxulo inclusive, porque os biomas atravessam Estados, Deputado Domingos Dutra. Nós não poderíamos ter a obrigação, numa divisa, de ter determinada margem de proteção de um lado do rio e do outro lado, outra, porque o Estado fez o seu código florestal próprio. Isso não é admissível.
Na verdade, o que se quer é pressionar mais de perto o poder para desrespeitar a legislação vigente no nosso País. Nós não podemos aceitar isso, tanto que o Código Ambiental de Santa Catarina está no Supremo Tribunal Federal sendo contestado. Ele não entra em vigor porque está sub judice. A sua aplicação proporcionaria uma verdadeira guerra fiscal entre os Estados. Quem pode desmata mais. Essa lógica nós não podemos aceitar. É por isso que nós entendemos que o País precisa resgatar um novo Código Florestal. Peço atenção dos colegas para eu concluir o meu raciocínio. Depois darei a palavra aos nobres pares.
Quero dizer que uma mudança desse porte no atual Código Florestal provoca um impacto tão grande, que precisa ser equacionado, medido e visto para daqui para o futuro.
Uma coisa que modernizaria o Código, por exemplo, seria a introdução no relatório do Deputado Aldo Rebelo da variante sobre o aquecimento global, sobre a emissão de gases do efeito estufa, que é totalmente ignorada, tratada como se não existisse. Pior: desrespeita-se a própria política nacional na questão climática e nos compromissos assumidos pelo Brasil no exterior, em Copenhague, de reduzir, até 2020, em até 38% a emissão de gases do efeito estufa.
E digo mais: a isenção de manter e recuperar a reserva legal em pequenas propriedades rurais de até quatro módulos fiscais, como quer fazer o Deputado Aldo Rebelo, significaria a emissão de 13 bilhões de toneladas de CO2 na atmosfera. Essa é a nossa contribuição ruim para o processo.
Sr. Presidente, o relatório nem trata disso, ignora o assunto. Inclusive a questão climática é vista como um problema que ocorre na Terra em milhões e milhões de anos e que o homem não tem ação sobre a natureza no que diz respeito à mudança de clima. É inaceitável, nos dias de hoje, um relatório desse tipo.
Mais do que isso, quero dizer claramente que o Deputado Aldo Rebelo, ao apresentar os que discordam do seu relatório como aqueles que protegem os agricultores europeus ou norte-americanos, esquece que os grandes produtores interessados na agroexportação não têm nenhuma ideologia, não. Eles não são nacionalistas. Querem lucro. Então, não há essa discussão. Pelo contrário, eles sempre apoiaram as ações da OMC.
Nós estivemos lá fora em manifestações contra a lógica da OMC, para combater, sim, o imperialismo, inclusive a Área de Livre Comércio das Américas — ALCA.
Quero dizer ainda, Sr. Presidente, que uma proposta como essa é inconstitucional, porque atenta contra o art. 225 da Constituição Federal. Certamente ela tem uma lógica de atentar contra um princípio do Direito, que é o não retrocesso da legislação e a precaução ambiental. Nós entendemos que esse relatório, se assim for aprovado, será contestado na Justiça.
Por último, quero dizer que a nossa proposta, Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, é conciliar aquilo que é a produção agrícola e pecuária brasileira com alto rendimento, com alta efetividade, com o desenvolvimento sustentável. Para isso, que sejam chamados aqueles que têm condições de opinar. Não se pode dar um chute de que são 7,5 metros,15 metros ou 30 metros.
Agora entraram os representantes das ciências. Vamos ouvi-los. Ninguém tem medo de ouvir. Quem tem medo? Nós não temos medo. Nós queremos ouvi-los.
Nós entendemos que a pressa aqui é inimiga da perfeição e que não há essa pressão sobre o pequeno proprietário e a agricultura familiar. Na verdade, na minha opinião, o que ocorre é um estímulo à impunidade. E o Governo pode operar inclusive adiando o decreto, mas exigindo averbação da reserva legal, não estimulando a impunidade e a devastação. Isso não é possível. Isso é um retrocesso, um péssimo exemplo. Essa proposta é antipedagógica e antinacional. Não serve aos interesses da República brasileira.
E é por isso que nós estamos defendo que haja muito mais tempo de discussão, porque os 240 Deputados que chegaram ao Congresso Nacional agora não conhecem a complexidade desse debate, inclusive as suas polêmicas para que possamos avançar no futuro. E peço que o Governo Dilma Rousseff se manifeste, não para manter a sua governabilidade aqui na Casa, mas para discutir as questões de princípio que estão em jogo no debate do Código Florestal.
Estou convencido, Sr. Presidente, Srs. Deputados, público que nos ouve, juventude brasileira, de que este é um tema que tem imenso impacto para o País. As posições que assumirmos aqui, por exemplo, em relação à manutenção de reserva legal ou de Área de Preservação Permanente terão impacto sobre as gerações futuras, sobre o balanço que vamos fazer da nossa responsabilidade social e política como legisladores brasileiros.
Acredito que, por meio da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, 96% das entidades científicas tenham se manifestado aqui, inclusive aquelas que tinham divergências, e trouxeram contribuição que fornece elementos científicos novos e estudos monumentais que precisam ser incorporados pelo legislador. O legislador não é obrigado a saber da complexidade de todas essas questões — clima, solo, água, floresta! Nem o legislador nem o cidadão comum brasileiro são obrigados a saber! O que temos é que fazer escolhas!
E a escolha que quero fazer é a defesa da agricultura familiar, da pequena propriedade, contra nosso modelo agrário exportador, que só gera divisas para pagar juros da dívida pública monstruosa, e, na verdade, entope de lucros alguns grandes produtores e exportadores.
Estou falando do interesse coletivo, do interesse nacional, do interesse difuso do meio ambiente, da biodiversidade brasileira, do futuro brasileiro e do futuro das gerações futuras.
Por isso, fiz este pronunciamento.”
 Fotos: Beto Oliveira / Agência Câmara.

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