Não tenho dúvida, organizar o
Centro de Feira de Santana a maioria da população quer. As razões e as
expectativas podem ser distintas, mas diferentes setores têm interesse em um
espaço mais organizado: pedestres, motoristas, empresários, camelôs e
feirantes. Por isso mesmo, a definição de “quem fica onde” e “quem faz o quê”
deve resultar do diálogo mais amplo possível para evitar que prevaleça apenas o
interesse econômico de uma minoria. Em especial, a justificativa de organizar o
Centro não pode servir como desculpa para expulsar os milhares de trabalhadores
e trabalhadoras que ganham suas vidas nas ruas de Feira. Infelizmente, é esse o
sentido do dito “Pacto de Feira” até agora. A iniciativa do governo municipal é
um cavalo de Tróia, ou seja, traveste de “presente” uma ofensiva contra os
camelôs e feirantes. Não à toa, as várias entidades que compõem o Pacto foram
chamadas a pactuar sem conhecimento prévio da proposta! Na prática, o que foi
apresentado nem de longe contempla a complexidade da situação: concretamente só
há proposta para a menor parte dos camelôs da rua Sales Barbosa e nem mesmo
nesse caso há vaga para todo mundo (160 para um universo de mais de 500). Tudo
mais, seja para a rua Marechal Deodoro ou outras áreas, é apenas “estudo” a ser
feito em vista de possibilidades futuras. Fica evidente que o Pacto é mais
marketing, para mascarar a repressão sobre quem trabalha nas ruas, do que
proposição de alternativas reais a essas pessoas. Tanto mais, a prática da
gestão municipal tem sido ataque aos pequenos, vide os casos recentes de
retirada sem notificação na Praça Bernardino Bahia ou no Beco do Mocó, e
omissão em relação aos grandes, como evidenciado no tratamento amistoso aos
caminhões de distribuidoras que congestionam livremente ruas do Centro.
Ora, se o Pacto de Feira é uma
iniciativa de “diálogo”, como tanto propagandeado, as propostas divergentes
acerca de como organizar o Centro da cidade deveriam ser ao menos discutidas.
Por exemplo, o Sindicato dos Camelôs de Feira de Santana (Sindicame) tem
denunciado a falta de diálogo na condução do Pacto, mas também apresentado
diversas proposições alternativas para a situação do Centro da cidade. Dessa
forma, o Sindicame recuperou a idéia de uso social da grande área ociosa nas
imediações do SAC da rua Olímpio Vital e construção de um verdadeiro shopping
popular no local para concentrar boa parte de quem hoje está nas ruas por falta
desse espaço. Além disso, também há a proposta de organização dos trabalhadores
da Marechal Deodoro na rua Miguel Ribeiro, transversal que liga essa avenida à
avenida Senhor dos Passos. O Sindicato também tem defendido uma política mais
ampla para o setor, inclusive com a oferta governamental de cursos de
qualificação e estímulo público à associação cooperativa de crédito e
importação. Dessa maneira, existem essas e outras proposições que qualquer
gestor verdadeiramente interessado em diálogo teria, no mínimo, obrigação de
considerar.
Em particular, mais duas coisas
assustam na forma como tem sido conduzida a questão da organização do Centro da
cidade pela gestão José Ronaldo. Em primeiro, a ausência de qualquer análise
consistente acerca da importante presença do chamado “setor informal” na
economia do município, o que obviamente tem implicado também na falta de previsão
apropriada do espaço para o comércio de rua no desenvolvimento real de Feira.
Por exemplo, creio que ousadamente o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano
(PDDU) feirense deve prever não só espaços para as atividades econômicas
convencionais, como o comércio e a indústria, mas também para a informalidade.
Sem dúvida, seria a melhor forma de planejar o futuro olhando de frente para o
que a nossa cidade é de fato. Em segundo lugar, espanta a força do
conservadorismo político e cultural, com sua visão tacanha, que vê o camelô e
feirante apenas como algo a ser escondido, retirado e, se possível, extinto. Em
uma cidade que carrega “feira” até no nome, mais que mera forma de
sobrevivência, me parece que o comércio de rua é parte do nosso patrimônio
cultural e deveria ser valorizado inclusive nessa dimensão. Assim, sou contra o
sumiço completo do comércio de rua do Centro, tanto porque é impossível quanto
porque é equivocado em relação a nossa história. Basta olhar por aí e ver que
vários municípios entenderam a dinâmica cultural de suas feiras, transformando
o que antes era escondido em motivo de orgulho e alvo de visitação.
Infelizmente, não parece nem de longe ser o caminho que os tacanhos e
marqueteiros do Pacto apresentam para Feira. Nesse sentido, como vai o Pacto de
Feira é a repetição ainda mais medíocre de uma história já vista: em 1977, a
grande feira-livre do município foi substituída rigorosamente por nada a sua
altura.
Jhonatas
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