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1 de jul. de 2013

UMA SOLUÇÃO PARA O HOSPITAL CLÉRISTON ANDRADE?



Se existe uma “conversa para boi dormir”, com certeza, a tal “publicização” do Hospital Geral Clériston Andrade (HGCA) se encaixa perfeitamente na definição. A conversa é a de sempre nas privatizações: os problemas resultantes do próprio descompromisso governamental, no discurso do secretário de saúde Jorge Solla e aliados, se resolverão com a entrega da administração hospitalar para uma Organização Social (OS). Também nesse caso, a administração direta é vista como a grande vilã responsável pela situação do HGCA, o que obviamente é um ótimo disfarce para os verdadeiros responsáveis pelos problemas decorrentes do descaso financeiro e ingerência política na instituição. Por sua vez, assim como no caso das estradas esburacadas que foram privatizadas, não por coincidência o HGCA também tem sido sucateado de modo acintoso – o que, na prática, quer dizer de modo assassino porque implica na morte de inúmeras pessoas por falta de condições de atendimento. Evidente que sucatear o que é público é uma velha estratégia, amplamente conhecida desde a época nada saudosa de FHC, para convencer a maioria da população que entregar para a iniciativa privada “resolve”. Aqui me parece que a intenção é impedir que a pergunta correta seja feita: os recursos destinados ao HGCA pelo governo estadual dão conta das necessidades de uma instituição que atende, pelo menos, 126 municípios? Para todo mundo que trabalha no hospital, já viu ou teve o desprazer de estar nos corredores lotados da instituição, bem como conhece relatos de pacientes, a resposta evidente é que não dão conta.

Sem dúvida, mudar a forma de gestão não resolve os problemas de recursos do hospital, mas também existem outros motivos para que a sociedade não aceite a privatização do HGCA. Em primeiro, porque a “publicização” não se apresentou como uma proposta justificada, mas efetivamente como uma imposição do governo Jaques Wagner. Não houve qualquer consulta pública real, uma vez que as duas audiências que discutiram a questão aconteceram por pressão da sociedade e, em especial, até a presente data a Secretaria de Saúde não apresentou nenhum Estudo de Impacto que justifique a mudança de gestão, preveja suas implicações e exponha os resultados esperados. Assim, como pode a sociedade considerar uma “proposta” se as suas justificativas não foram sequer expostas de modo formal? Além disso, a privatização do HGCA é legalmente frágil diante da própria Constituição Federal e dos órgãos de controle social na saúde, pois tanto está em tramitação no Supremo Tribunal Federal (STF) uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN 1923/98) contra esta modalidade de gestão quanto o próprio Conselho Nacional de Saúde (CNS) é contrário a esse tipo de terceirização há anos (Deliberação 001/2005). Em específico sobre a situação das trabalhadoras e dos trabalhadores, estudo comparativo do Tribunal de Contas do Estado (TCE) de São Paulo, de 2010, indica que essa modalidade de gestão aumenta a desigualdade salarial, com os cargos de chefia ganhando acima da média de mercado e todos outros abaixo (Acrescento ainda a precarização dos vínculos empregatícios já que, evidentemente, reduz o número de profissionais concursados). Contudo, o mesmo estudo indica ainda um quadro tão preocupante quanto para o interesse público e o atendimento da população, pois a experiência paulistana demonstra que a gestão através de OS tem maior prejuízo econômico, maior custo por leito ao ano, taxa de mortalidade geral maior e apresenta crescimento do tempo em que o paciente fica sozinho no seu leito, dentre outros problemas que podem ser vistos também no Relatório da Frente Nacional Contra a Privatização da Saúde enviado ao STF (https://docs.google.com/file/d/0B3SRQLv1tEAVOE9WUDAtYXlubnc/edit?pli=1).

Além de tudo, o discurso oficial do governo estadual diz que “publicizar” não é privatizar o HGCA, convenientemente esquecendo que privatização não é apenas a venda direta de uma instituição pública, mas também quando a gestão do que é público passa a se dar sob uma lógica igual ao do mercado. O problema é que enquanto uma empresa atua no mercado visando basicamente o lucro privado, uma instituição pública deve buscar essencialmente atender direitos de melhor forma possível. Dessa forma, a própria ideia de eficiência tem implicações diferentes em cada uma dessas esferas: no privado interessa cortar custos para maximizar o ganho, já no público interessa atender às necessidades das pessoas mesmo que muitas vezes seja inadequado do ponto de vista mercantil. Nesse sentido, a alegação governamental de que não se trata de privatização porque o HGCA “continuará patrimônio público” conta com o desconhecimento de um detalhe: desde quando foi necessário colocar a placa “vende-se” no SUS para chegarmos à atual situação em que mais de 60%, segundo o próprio Ministério da Saúde, dos seus serviços e procedimentos já são ofertados pelo setor privado? O que seria “complementar”, segundo a Constituição Federal, infelizmente é hoje predominante. Essa privatização “por dentro”, de modo algum, melhorou o atendimento à maioria da população – muito pelo contrário. Por isso mesmo, o que queremos não é mais privatização, mas recursos para um SUS 100% público e de qualidade. Em Feira, como parte dessa luta, a própria ideia de que uma gestão do HGCA através de uma OS é “a solução” pode e deve ser contestada.

Jhonatas

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